O GLOBO - 13/09
Possibilidade de condenados no processo do mensalão, onde tem havido amplo direito de defesa, serem rejulgados torna Judiciário mais incompreensível para o povo
Em mais uma sessão histórica no processo do mensalão, o empate, ontem, em cinco votos, em torno da legalidade dos embargos infringentes colocou nas mãos do decano do Pleno do Supremo, Celso de Mello, aceitar ou permitir a prorrogação do julgamento. Se acolher a tese da defesa, tornará os caminhos da Justiça brasileira ainda mais incompreensíveis para a população. Afinal, apesar de seis anos de tramitação do processo no Supremo, mais de 50 sessões, após garantido amplo direito de defesa, poderá ser concedida a benesse de um novo julgamento a 11 dos réus, em condenações nas quais obtiveram pelo menos quatro votos em seu favor.
É verdade que os 11 mensaleiros beneficiados pela aceitação dos embargos infringentes estão condenados por algum crime, inclusive com a pena de prisão em regime fechado, caso de Marcos Valério, por exemplo, operador do esquema, a ser trancafiado devido à comprovada evasão de divisas. Mesmo os mensaleiros estrelados, os petistas José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e João Paulo Cunha carregarão para sempre na folha corrida o registro de condenação por corrupção. Não é pouca coisa.
Mas o rejulgamento, com chance de revisão de condenações e a suspensão de penas a serem cumpridas em regime fechado, reforçará o ceticismo com a Justiça, considerada leniente com ricos e poderosos. Os que acham que cadeia foi feita para pobre terão mais um forte argumento.
Primeiro dos votos, e a favor dos embargos, Luís Roberto Barroso, recém-empossado, reconheceu haver argumentos fortes nos dois lados da questão: se a lei federal 8.038, de 1990, ao não citar este tipo de embargo, o havia suprimido do regimento do tribunal ou não. Optou por garantir o recurso e foi seguido por quatro outros ministros, também divergentes da posição do relator do processo, Joaquim Barbosa, presidente da Corte, contrário à aceitação dos embargos.
O voto da ministra Cármen Lúcia, em apoio ao relator, trouxe argumento forte, como previra Barroso. Depois de ressaltar a primazia constitucional do Congresso na regulação dos ritos judiciários — porque a Justiça é nacional —, a ministra considerou inexistente a possibilidade dos embargos, por força da lei federal. E ainda alertou para a possibilidade de condenados pelo Superior Tribunal de Justiça, fórum privilegiado também para autoridades, não terem o respaldo desses embargos, ao contrário dos processados pelo Supremo. Estará configurado um tratamento desigual pela Justiça, um evidente atropelo da Constituição. Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, ministros que também apoiaram o voto do relator, não deixaram de chamar a atenção para a incoerência de se permitir apenas no Supremo este tipo de recurso. “O sistema não fecha”, disse Marco Aurélio.
O adiamento do desfecho ao menos dá um tempo ainda maior a Celso de Mello para continuar em suas reflexões. Considerando, como alertou Gilmar Mendes, os reflexos de sua decisão em toda a magistratura e nas próprias instituições.
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