A subida do dólar em agosto e as intervenções cambiais do BC deflagraram um debate acirrado sobre se o BC deve continuar intervindo como tem feito, sobretudo via mercado de derivativos cambiais, ou se deveria também atuar vendendo reservas cambiais.
Antes de se debater qual a melhor forma de o BC intervir, deve-se ter em mente o objetivo da intervenção cambial. Desde maio, quando o Fed anunciou que iria diminuir a cadência do estímulo monetário até finalizá-lo no ano que vem, capitais têm fluído de mercados emergentes de volta às economias desenvolvidas. A redução do influxo de capitais, aliada às perspectivas mais desfavoráveis para nossas exportações, explicam o movimento de depreciação cambial. Assim, as intervenções do BC devem permitir que a taxa de câmbio ache seu novo equilíbrio, mais depreciado, sem sobressaltos.
Não se objetiva estabelecer um teto para a taxa de câmbio, mas, sim, prover a liquidez necessária para que o movimento de depreciação cambial não exiba volatilidade exagerada, com overshooting (ultrapassagem do ponto de equilíbrio) que acabe impondo custos desnecessários à economia. Caso o objetivo fosse estabelecer um teto para a taxa de câmbio, o BC deveria usar fundamentalmente a política monetária, elevando significativamente a taxa de juros, como fazia durante as crises internacionais da segunda metade dos anos 90, antes do regime de flutuação cambial.
Estabelecida a premissa de que o objetivo é o de manter líquidos os mercados cambiais, cabe então indagar qual é a melhor forma de intervir. Ao longo dos anos, as intervenções cambiais têm sido feitas basicamente por meio de três instrumentos: venda de swaps cambiais (equivalentes à venda de dólar futuro), leilões de linhas de crédito em dólar e vendas esterilizadas (que não afetam a taxa de juros) de reservas cambiais. No episódio recente, o BC não tem utilizado esta última opção, o que vem gerando o debate sobre a conveniência ou não da volta à venda esterilizada de reservas.
Cabe, inicialmente, uma explicação sobre o funcionamento e a interdependência dos mercados futuro e spot (à vista). Suponha que o BC venda os swaps, que são equivalentes a vendas de contratos futuros de dólar. O efeito imediato será o de reduzir o preço do dólar futuro, mas não o do dólar spot. A redução da diferença entre o dólar futuro e o spot, o forward premium (prêmio a termo), significa que custa menos se proteger contra a depreciação do real. Isto abre uma oportunidade de arbitragem para os bancos, que captam em dólar no exterior e aplicam em cupom cambial (a taxa doméstica de juros menos o forward premium), uma operação que provê retornos em dólar no Brasil.
Apesar de, inicialmente, a atuação do BC no mercado futuro não afetar diretamente o dólar spot, o efeito indireto via bancos, que trazem os dólares à vista para aproveitar o aumento do cupom cambial, acaba transmitindo ao mercado à vista o efeito da atuação do BC no mercado futuro. Essa transmissão é, em geral, bastante boa. Mas há dois fatores que podem perturbar seu funcionamento.
O primeiro obstáculo são os controles de capitais, que vigoraram até recentemente, quando o cenário internacional ainda era de abundância de influxos de capitais. Hoje, tais controles foram retirados e não mais impedem a perfeita arbitragem entre os mercados.
O segundo obstáculo, muito mais grave, é a percepção, pelos agentes econômicos, de que o dólar futuro pode vir a deixar de ser um substituto perfeito para o dólar à vista. Suponha, por exemplo, que uma empresa tenha comprado dólar futuro, com vencimento em janeiro de 2014, para garantir o valor, em reais, de um pagamento de uma importação ou de uma parcela de serviço de dívida externa. A expectativa do empresário é de que o mercado futuro, que liquida suas operações em reais, lhe permita fixar hoje o custo, em reais, dos dólares que terá que remeter ao exterior em janeiro. Normalmente, essa expectativa é perfeitamente razoável. Mas já vivemos crises severas nas quais o "dólar de SP" (o dólar futuro) deixou de ser visto como um bom substituto das notinhas verdes.
Em 2002, no auge da crise que precedeu o governo Lula, a taxa de câmbio chegou a tocar a cotação de R$ 4. Normalmente, as cotações do dólar futuro superam o dólar spot. Naquele momento, entretanto, ocorreu o contrário. O dólar futuro era mais barato do que o dólar à vista, demonstrando que havia sérias desconfianças sobre o dólar futuro. E que desconfianças eram essas? Temia-se que o novo governo fosse dar o calote na dívida pública. Outro temor era o de que, frente a uma escassez grave de reservas, o BC impusesse uma centralização cambial. Sendo assim, apenas determinadas transações, julgadas prioritárias, poderiam comprar dólares à taxa de câmbio oficial (que serve como base para a liquidação dos contratos futuros). As demais entrariam numa fila (ou iriam para o mercado negro). Nesse caso, o dólar futuro seria um mau substituto do dólar à vista.
Claro que, comparando com 2002, a crise atual é muito mais branda e o Brasil, muito menos vulnerável. Assim, é pouco provável que condições semelhantes ocorram. Mas um evento, durante a crise de 2008, chama a atenção para a importância de se eliminar outro fator de desconfiança.
Em outubro de 2008, ao anunciar o programa de enfrentamento ao credit crunch internacional pós-Lehman, nosso boquirroto ministro da Fazenda deu a entender que o presidente Lula havia determinado que as reservas não deveriam ser tocadas. Segundo o Valor (10/10/2008): "Na segunda-feira, ao anunciar com Meirelles medidas para enfrentar a crise, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou que o presidente Lula havia determinado que a equipe econômica preservasse as reservas, o principal seguro do país contra uma crise de liquidez. O mercado entendeu a declaração de Mantega como um veto de Lula ao uso das reservas. No dia seguinte, terça-feira, a cotação do dólar subiu fortemente e criou um clima de pânico no mercado, o que levou Meirelles a pedir autorização a Lula para gastar reservas."
Em síntese, sob condições normais, o BC pode, sim, atuar sem gastar suas reservas cambiais. O que o BC jamais pode fazer é transmitir ao mercado a impressão de que relutará em lançar mão das reservas cambiais de que dispõe. A situação atual não é grave, mas, a volta de um tripé macroeconômico consistente, aliado a reformas estruturais, é fundamental para garantir o equilíbrio externo de nossa economia.
Antes de se debater qual a melhor forma de o BC intervir, deve-se ter em mente o objetivo da intervenção cambial. Desde maio, quando o Fed anunciou que iria diminuir a cadência do estímulo monetário até finalizá-lo no ano que vem, capitais têm fluído de mercados emergentes de volta às economias desenvolvidas. A redução do influxo de capitais, aliada às perspectivas mais desfavoráveis para nossas exportações, explicam o movimento de depreciação cambial. Assim, as intervenções do BC devem permitir que a taxa de câmbio ache seu novo equilíbrio, mais depreciado, sem sobressaltos.
Não se objetiva estabelecer um teto para a taxa de câmbio, mas, sim, prover a liquidez necessária para que o movimento de depreciação cambial não exiba volatilidade exagerada, com overshooting (ultrapassagem do ponto de equilíbrio) que acabe impondo custos desnecessários à economia. Caso o objetivo fosse estabelecer um teto para a taxa de câmbio, o BC deveria usar fundamentalmente a política monetária, elevando significativamente a taxa de juros, como fazia durante as crises internacionais da segunda metade dos anos 90, antes do regime de flutuação cambial.
Estabelecida a premissa de que o objetivo é o de manter líquidos os mercados cambiais, cabe então indagar qual é a melhor forma de intervir. Ao longo dos anos, as intervenções cambiais têm sido feitas basicamente por meio de três instrumentos: venda de swaps cambiais (equivalentes à venda de dólar futuro), leilões de linhas de crédito em dólar e vendas esterilizadas (que não afetam a taxa de juros) de reservas cambiais. No episódio recente, o BC não tem utilizado esta última opção, o que vem gerando o debate sobre a conveniência ou não da volta à venda esterilizada de reservas.
Cabe, inicialmente, uma explicação sobre o funcionamento e a interdependência dos mercados futuro e spot (à vista). Suponha que o BC venda os swaps, que são equivalentes a vendas de contratos futuros de dólar. O efeito imediato será o de reduzir o preço do dólar futuro, mas não o do dólar spot. A redução da diferença entre o dólar futuro e o spot, o forward premium (prêmio a termo), significa que custa menos se proteger contra a depreciação do real. Isto abre uma oportunidade de arbitragem para os bancos, que captam em dólar no exterior e aplicam em cupom cambial (a taxa doméstica de juros menos o forward premium), uma operação que provê retornos em dólar no Brasil.
Apesar de, inicialmente, a atuação do BC no mercado futuro não afetar diretamente o dólar spot, o efeito indireto via bancos, que trazem os dólares à vista para aproveitar o aumento do cupom cambial, acaba transmitindo ao mercado à vista o efeito da atuação do BC no mercado futuro. Essa transmissão é, em geral, bastante boa. Mas há dois fatores que podem perturbar seu funcionamento.
O primeiro obstáculo são os controles de capitais, que vigoraram até recentemente, quando o cenário internacional ainda era de abundância de influxos de capitais. Hoje, tais controles foram retirados e não mais impedem a perfeita arbitragem entre os mercados.
O segundo obstáculo, muito mais grave, é a percepção, pelos agentes econômicos, de que o dólar futuro pode vir a deixar de ser um substituto perfeito para o dólar à vista. Suponha, por exemplo, que uma empresa tenha comprado dólar futuro, com vencimento em janeiro de 2014, para garantir o valor, em reais, de um pagamento de uma importação ou de uma parcela de serviço de dívida externa. A expectativa do empresário é de que o mercado futuro, que liquida suas operações em reais, lhe permita fixar hoje o custo, em reais, dos dólares que terá que remeter ao exterior em janeiro. Normalmente, essa expectativa é perfeitamente razoável. Mas já vivemos crises severas nas quais o "dólar de SP" (o dólar futuro) deixou de ser visto como um bom substituto das notinhas verdes.
Em 2002, no auge da crise que precedeu o governo Lula, a taxa de câmbio chegou a tocar a cotação de R$ 4. Normalmente, as cotações do dólar futuro superam o dólar spot. Naquele momento, entretanto, ocorreu o contrário. O dólar futuro era mais barato do que o dólar à vista, demonstrando que havia sérias desconfianças sobre o dólar futuro. E que desconfianças eram essas? Temia-se que o novo governo fosse dar o calote na dívida pública. Outro temor era o de que, frente a uma escassez grave de reservas, o BC impusesse uma centralização cambial. Sendo assim, apenas determinadas transações, julgadas prioritárias, poderiam comprar dólares à taxa de câmbio oficial (que serve como base para a liquidação dos contratos futuros). As demais entrariam numa fila (ou iriam para o mercado negro). Nesse caso, o dólar futuro seria um mau substituto do dólar à vista.
Claro que, comparando com 2002, a crise atual é muito mais branda e o Brasil, muito menos vulnerável. Assim, é pouco provável que condições semelhantes ocorram. Mas um evento, durante a crise de 2008, chama a atenção para a importância de se eliminar outro fator de desconfiança.
Em outubro de 2008, ao anunciar o programa de enfrentamento ao credit crunch internacional pós-Lehman, nosso boquirroto ministro da Fazenda deu a entender que o presidente Lula havia determinado que as reservas não deveriam ser tocadas. Segundo o Valor (10/10/2008): "Na segunda-feira, ao anunciar com Meirelles medidas para enfrentar a crise, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou que o presidente Lula havia determinado que a equipe econômica preservasse as reservas, o principal seguro do país contra uma crise de liquidez. O mercado entendeu a declaração de Mantega como um veto de Lula ao uso das reservas. No dia seguinte, terça-feira, a cotação do dólar subiu fortemente e criou um clima de pânico no mercado, o que levou Meirelles a pedir autorização a Lula para gastar reservas."
Em síntese, sob condições normais, o BC pode, sim, atuar sem gastar suas reservas cambiais. O que o BC jamais pode fazer é transmitir ao mercado a impressão de que relutará em lançar mão das reservas cambiais de que dispõe. A situação atual não é grave, mas, a volta de um tripé macroeconômico consistente, aliado a reformas estruturais, é fundamental para garantir o equilíbrio externo de nossa economia.
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