De tão previsível, não surpreende a mais ninguém o gesto da presidente Dilma Rousseff de autorizar a liberação de R$ 6 bilhões (três parcelas de R$ 2 bilhões) para emendas parlamentares ao Orçamento Geral da União, a fim de evitar surpresas desagradáveis nas votações previstas para este mês no Congresso. Já é tradicional no Brasil que o relacionamento entre o governo federal e a base aliada no Congresso se organize a partir de um duplo movimento: no início do ano, o chamado contingenciamento ou congelamento da execução de uma parte do Orçamento do ano corrente, e, à medida que se aproxima o final do exercício, a abertura seletiva da torneira como forma de irrigar a propensão de deputados e senadores a serem fiéis ao Planalto.
Não é por falta de engenho que a elite política brasileira não consegue resolver problemas críticos da nação. Afinal, em pouco mais de duas décadas da promulgação da Constituição de 1988, governantes e representantes tiveram sucesso em uma empresa de rara complexidade: convencer quase 190 milhões de cidadãos de que, por um lado, o Orçamento Geral da União é um autêntico ordenamento de receitas e despesas públicas e que, por outro, a forma e o ritmo de sua execução dependem do livre-arbítrio do presidente da República. Um subproduto desse conto de fadas é o mecanismo da emenda parlamentar ao Orçamento, pelo qual deputados e senadores criam despesas, quase sempre sem receitas correspondentes, e, caso o referido gasto seja efetivamente realizado, assumem perante os eleitores a paternidade da obra ou do serviço.
A verdade, porém, é bem outra. Em primeiro lugar, o Orçamento Geral da União pertence, no mais das vezes, ao terreno da literatura fantástica e não da literatura realista. Em segundo, a emenda parlamentar não é uma prodigalidade do parlamentar em relação ao eleitor, e sim uma rédea pela qual o Executivo garante a obediência do Legislativo. E, em terceiro, os benefícios previstos nas emendas parlamentares _ como, de resto, em todo o Orçamento _ são um dever do Estado, custeado por meio de impostos pagos pelo contribuinte, e não favor prestado pelo Congresso.
O atual debate sobre reforma política tomaria um rumo promissor se fosse examinada seriamente a possibilidade de se disciplinar e moralizar de forma severa a elaboração, a execução e o controle do Orçamento Geral da União. Já existem propostas a esse respeito, como abolição das emendas individuais e adoção de mecanismos de fiscalização e participação popular na composição e na execução da peça orçamentária. O que não se pode tolerar é a continuidade do atual estado de coisas, no qual recursos consideráveis oriundos dos cofres públicos tornam-se objeto de barganha entre poderes.
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