O GLOBO - 25/08
Informar é nosso dever e direito. Mais do que isso: é nossa paixão
O escritor canadense Farley Mowat, em seu livro “And no birds sang” (“E nenhum pássaro cantou”), narra a história de um jovem soldado de infantaria ansioso pelo combate contra os nazistas na Itália, em 1942. A realidade da guerra é mostrada em detalhes. Do tédio dos acampamentos à agonia nas trincheiras. A selvageria dos ataques e a solidariedade dos que sangraram juntos nos campos de batalha. Mowat era segundo tenente do exército canadense, no Reino Unido. Ele conta o que testemunhou.
Durante o combate nas trincheiras, os soldados podiam se valer de um artifício como defesa: fingir-se de morto. Essa era uma estratégia característica para atrair o inimigo, que, na linha de frente, podia considerar a possibilidade de, em havendo o cessar fogo do outro lado, avançar e ganhar o território disputado. Requer o devido preparo – psicológico e físico -, porque não é para qualquer um manusear armas de fogo, matar ou ferir.
Na Segunda Guerra, a ordem de ataque poderia vir via rádio, telefone ou telégrafo. Do posto de comando à linha de frente, para que houvesse a certeza de que a mensagem chegaria à tropa, alguns soldados eram incumbidos de transmitir pessoalmente as ordens. Era preciso, portanto, que o encarregado se mantivesse vivo para que a mensagem chegasse; era necessário que soubesse como chegar à área de confronto; como sair dela; também era primordial ter noção da importância de sua missão: informar e trazer de volta à base os registros e impressões das trincheiras. Ir e voltar intacto, sabendo que seu trabalho era o mais arriscado: buscar e levar informação. Eram os únicos que não podiam se fazer de mortos-vivos.
Atualmente, muitos jornalistas brasileiros são correspondentes de guerra, mas em território nacional. Dos tiroteios em favelas às recentes manifestações. Repórteres assassinados por retaliação, durante confronto armado ou feridos na cobertura dos protestos. Mas a violência contra jornalistas nem sempre é física. Não basta desviar de balas de borracha, fugir do gás lacrimogêneo ou evitar o spray de pimenta. Violência, antes de tudo, para um jornalista, é não poder trabalhar na rua. É não poder transmitir a mensagem. É trabalhar quase incógnito, temer pela repressão policial e considerar a possibilidade de ser acuado por um grupo intolerante – ou ignorante –, com ares fascistas.
Das barreiras policiais às barricadas feitas com lixeiras em chamas, assisti a muitas equipes de televisão serem expulsas por manifestantes exaltados e mascarados. Testemunhei repórteres sendo agredidos. Mas estar entre trincheiras, relatar fatos, ou seja, informar, é nosso dever e direito. Mais que isso: é nossa paixão.
Mowat, durante a Moro River Campaign, sofreu de estresse de batalha, agravado após um incidente com o amigo e tenente Allan Park, baleado na cabeça. Mowat ficou aos pés do companheiro, chorando, tentando entender o sentido daquilo tudo. É dele a frase: “poucos leitores se mantêm neutros”.
Tornou-se escritor.
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