FOLHA DE SP - 02/08
Governo federal desiste de ampliar duração dos cursos de medicina; nova proposta também tem problemas, mas não deveria ser rejeitada
Primeiro foi a constituinte exclusiva para implementar uma reforma política. Sugerida de afogadilho como resposta às manifestações de junho, a ideia foi abandonada em menos de 24 horas.
Em seguida, o governo Dilma Rousseff agarrou-se à defesa de um plebiscito para definir a agenda de mudanças na legislação eleitoral do país, no intuito de alterar as regras da disputa de 2014. Sem que fosse factível, a proposta foi enjeitada semanas depois.
Agora foi oficializado um terceiro recuo, desta vez na área da saúde. Diante da enorme resistência dos médicos, o governo desistiu de ampliar de seis para oito anos a duração dos cursos de medicina.
O plano era polêmico. Nos dois anos adicionais de faculdade, o estudante faria espécie de estágio compulsório na atenção básica do SUS (Sistema Único de Saúde), em local designado pela instituição de ensino. Somente após esse período o aluno poderia obter o registro profissional.
Faz sentido cobrar essa contrapartida de quem se beneficia da rede gratuita de universidades públicas. A exigência soa abusiva, contudo, para o aluno que pagou por seus estudos em instituições privadas. É problemático, além disso, obrigar alguém a morar em determinado local, contra sua vontade.
Após reunião com uma comissão de especialistas formada para debater o tema, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou anteontem que a nova proposta do governo é tornar obrigatória a residência médica, a ser cumprida inicialmente no SUS, já a partir de 2018 --regra válida, portanto, para quem ingressou na faculdade a partir de 2012.
Trata-se de sugestão mais palatável que a primeira, por conservar alguns méritos e livrar-se dos aspectos mais problemáticos.
A residência é muito importante na formação e na especialização do profissional. É nesse período, em geral de dois a cinco anos, que o aluno treina na prática a teoria que aprendeu na faculdade. Hoje, porém, dos 388 mil médicos do país, pelo menos 88 mil trabalham sem título de especialista.
Decerto menos controversa, a nova proposta nem por isso está livre de críticas. É desaconselhável, por exemplo, mudar as regras de credenciamento de quem já está na faculdade. Mais importante do que isso, será difícil o governo assegurar vagas para todos os residentes e garantir a adequada supervisão do formando nesse período.
São pontos que merecem debate, mas não bastam para rejeitar a medida. Representantes de algumas associações médicas, no entanto, já afirmam que a queda de braço não será interrompida. Enquanto o governo se apequena com improvisos e recuos, a intransigência classista se engrandece.
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