O Estado de S.Paulo - 08/08
O governo entrou numa encrenca financeira quando resolveu antecipar a renovação de concessões do setor elétrico e forçar a redução das contas de luz. Foi mais um lance voluntarista, mal planejado e malsucedido, como tantos outros de uma administração marcada, desde o começo, por improvisações desastradas.
De onde sairá o dinheiro para cobrir o desconto de 20% nas tarifas de energia para residências continua um mistério. Não será dos principais fundos setoriais, a Reserva Global de Reversão (RGR) e a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), empobrecidos nos últimos sete meses. Uma alternativa em estudo no Ministério da Fazenda seria uma nova manobra com bancos federais, como informou o Estado na edição de ontem.
O Tesouro tomaria empréstimos da Caixa e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e assim jogaria o problema para a frente. Ontem mesmo o ministro Guido Mantega desmentiu a informação fornecida ao jornal um dia antes por fontes qualificadas de seu Ministério.
O Tesouro, segundo ele, está cobrindo o custo da energia com despesas primárias, sem recorrer a bancos do setor público. Para o cidadão de fora do governo sobraram interrogações e preocupações.
Entre janeiro e julho, o saldo à disposição da RGR encolheu de R$ 2,4 bilhões para R$ 371,2 milhões. No mesmo período, os recursos da CDE minguaram de R$ 15,2 bilhões para R$ 530,2 milhões. Uma solução pelo menos parcial poderia ser, segundo se informou há semanas, a antecipação de recebíveis da Itaipu Binacional. Estatais já têm socorrido o Tesouro com dividendos antecipados, Seria um lance parecido, pelo menos quanto ao calendário de recebimentos. Também seria mais um golpe contra a disciplina fiscal. Mais uma vez o governo sacaria contra o futuro para financiar o descontrole presente.
Mas a ideia de tomar dinheiro no mercado com a venda de recebíveis de Itaipu foi abandonada, segundo anunciou recentemente o ministro da Fazenda. O governo, disse ele, abandonou o plano por causa das críticas. E depois? Por enquanto, o governo está obviamente encrencado. A receita orçamentária tem sido afetada pelo baixo nível de atividade e pelos benefícios tributários concedidos a setores selecionados.
As autoridades já incluem nas suas projeções os dividendos de estatais e o bônus da licitação de uma grande área do pré-sal. Mais uma vez, receitas extraordinárias serão usadas para cobrir despesas permanentes. O espetáculo da imprudência fiscal continua. O ministro da Fazenda anuncia cortes de gastos - meramente verbais, na maior parte -, enquanto a presidente se dispõe a liberar R$ 6 bilhões, até o fim do ano, para emendas orçamentárias de parlamentares aliados. Quanto à meta de superávit primário, já foi reduzida há meses de 3,1% para 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Nesta altura, nem esse resultado é garantido, mesmo com a famigerada contabilidade criativa.
A cobertura do buraco financeiro das contas de luz é um desafio a mais no meio dessa confusão. O Tesouro transferiu em junho R$ 1,45 bilhão para a CDE, destinada a financiar programas sociais, como o Luz para Todos, e o gasto adicional gerado pelo uso de usinas térmicas. Também terá de socorrer a RGR, encarregada de pagar as indenizações a empresas incluídas na renovação antecipada de concessões. Isso deve custar R$ 10 bilhões até 2017.
O recurso a empréstimos do BNDES e da Caixa aumentaria a dívida bruta do Tesouro e ainda pesaria nas contas dos dois bancos. Apenas daria algum fôlego ao governo. Mas o ministro da Fazenda nega saber de onde saiu essa ideia. Seu colega Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, parece considerar muito razoável essa hipótese.
Não há diferença, segundo ele, se o Tesouro sacar dinheiro de seu cofre ou recorrer a um banco estatal. Obviamente há enorme diferença, tanto para o Tesouro como para os bancos, mas os dois ministros parecem ter-se esquecido de combinar as declarações. O suspense fiscal continua e a credibilidade do governo se esboroa juntamente com as finanças federais.
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