O GLOBO - 05/07
A grave situação política no Egito, onde os militares derrubaram o primeiro presidente civil eleito após um ano no cargo, recoloca a questão da compatibilidade entre governo islâmico e democracia. A discussão foi potencializada pela Primavera Árabe — um conjunto de rebeliões populares contra governos ditatoriais laicos em vários países do Norte da África e do Oriente Médio.
Pode-se dizer que a experiência, no Egito, não foi bem-sucedida. A Irmandade Muçulmana, organização islamista, preencheu espaços quando o Exército foi forçado a sair de cena. Um representante dela, Mohamed Mursi, elegeu-se presidente. A democratização é uma das grandes aspirações de boa parte do povo egípcio, mas Mursi não esteve à altura. Mostrou-se mais preocupado em seguir a cartilha da Irmandade rumo à islamização do que em buscar apoio político para governar e lidar com a crise econômica. Quando as multidões voltaram à Praça Tahrir, agora para pedir a saída de Mursi, o Exército se inquietou. A instituição mais poderosa do país não tolera turbulências que possam ameaçar seu status privilegiado, construído em seis décadas de ocupação do poder. E derrubou o presidente. A massa na praça exultou, mas muita gente ficou com a pulga atrás da orelha: foi um golpe, embora os militares tenham traçado um “mapa” para a volta do país à normalidade institucional, se é que se pode falar disto no Egito.
O melhor exemplo da boa convivência entre islâmicos no governo e regime democrático é dado pela Turquia. O partido islamista Justiça e Desenvolvimento assumiu o poder há dez anos, com o premier Recep Tayyip Erdogan, e, em linhas gerais, vem respeitando o caráter laico do país. Mas, sentindo-se poderoso, Erdogan começou a exagerar na arrogância e no autoritarismo, e acelerou a islamização da sociedade. Multidões foram para as ruas das grandes cidades contra o premier, numa queda de braço que ainda não chegou ao fim. Mau sinal.
Na Tunísia, onde se iniciou a Primavera Árabe, o partido islâmico local, Ennahda, ganhou as eleições após a derrubada do ditador Ben Ali. E, como no Egito, começou a desagradar a população quando começou a impor a agenda islamizante: foi acusado de tentar dominar o Estado e limitar liberdades já conquistadas pela sociedade. Sob pressão da oposição e protestos nas ruas, ele concordou em dividir o governo com dois partidos seculares. Bom começo.
Os militares egípcios tiraram do bolso um roteiro: o poder foi entregue a um civil, o presidente da Corte Constitucional, que deverá nomear um governo de técnicos, designar especialistas para reescrever a Constituição islamizante de Mursi/Irmandade e marcar eleições presidenciais e parlamentares. É uma segunda chance para o país sair da estagnação e um novo teste para a relação democracia/Islã. Desde que os militares sigam seu próprio mapa e os islamistas não sejam excluídos da vida política.
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