O GLOBO - 05/07
Após alguns dias de aparente perplexidade diante das manifestações de rua, a presidente Dilma foi simples e objetiva no seu pronunciamento do dia 21, propondo-se a conduzir pacto político pela melhoria dos serviços públicos. Reconheceu, também, que a maioria nas ruas exige combate à corrupção e qualidade na educação e saúde, o que requer, segundo ela, a oxigenação do sistema político. No dia 24, a presidente voltou à cena com grande aparato e proposta abrangente de diversos pactos, inclusive um, relativo aos desde logo polêmicos plebiscito, referendo e constituinte.
Os manifestantes da rua acertaram ao trazer, como carro chefe, os vinte centavos das passagens urbanas e a qualidade dos serviços, cuja carência leva milhões de pessoas das grandes cidades a perder, diariamente, boa parte do seu tempo útil no transporte de ida e volta ao trabalho. Nos desdobramentos dessas manifestações foram abertas questões que preocupam a sociedade brasileira e que derivam, em grande parte, da falta de definição nítida de estratégia nacional de longo prazo. Algumas de âmbito nacional, como a educação e a saúde, outras de interesse estritamente local, como uma passarela sobre determinada rodovia.
Com tantas propostas, tanto do Planalto como da sociedade, aumenta o risco de não se chegar a tempo a lugar algum. Mas o que fazer ou por onde começar? A recusa da PEC 37 no Congresso foi um bom início. Mas o discurso oficial precisa ser complementado por ações práticas e visíveis, que obedeçam às restrições financeiras decorrentes da imprudência com que vem sendo elaborado e executado o orçamento público.
Questão central para o dia a dia da sociedade se encontra na mobilidade urbana, parte do nosso sistema de transportes, foco emblemático de estratégia equivocada, ineficácia administrativa e desperdício de capital e que, aparentemente, foi o estopim da revolta que mobiliza os cidadãos nas principais capitais do país.
Causa espécie que nesse quadro tumultuado ainda esteja de pé o projeto iniciado em 2007, a ser brevemente licitado, do trem-bala, de 511 quilômetros entre Campinas e Rio de Janeiro, que atravessaria 32 municípios densamente povoados, cujo prazo de construção é imprevisível. O seu orçamento, três vezes revisto, está no nível de dezenas de bilhões de reais, a ser coberto, na sua maior parte, com recursos públicos, da mesma ordem de grandeza dos que poderiam propiciar duplicação da rede de metrô ou outros sistemas de atendimento à mobilidade urbana, como o BRT.
Para caracterizar com alguma aritmética a insensatez da ideia do trem-bala, basta indicar que, se viesse a ser concluído, atenderia a uma demanda de 20 mil usuários por dia, enquanto a população que se beneficia dos 269 quilômetros dos metrôs de oito cidades é de 4,5 milhões por dia, em parte mal servida, e com outros milhões excluídos.
Como um sinal para a sociedade de nova atitude efetiva do governo, seriam de grande impacto o cancelamento desse fantasioso projeto de trem-bala e o fechamento da empresa que para esse fim foi constituída.
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