O GLOBO - 04/07
As pessoas estão assustadas por conta das manifestações dirigidas, de forma mais ou menos difusa, ao Estado brasileiro - a prefeitura de São Paulo, a Assembleia Legislativa do Rio e o Congresso.
Afinal, quase todos somos favoráveis ao estado democrático de direito.
Parece, entretanto, que há nesta postura uma certa dose de incompreensão histórica. O Estado, desde que foi estabelecido de forma aparentemente definitiva no Ocidente, no século XV, nunca esteve montado essencialmente para o bem geral da população. É claro que desde a Antiguidade, com Aristóteles, e por toda a Idade Média, teóricos e teólogos afirmaram que os governos existem essencialmente para o bem dos homens. A grande dúvida era sobre quem havia decidido por sua implantação: Deus, que sempre quer o melhor para os seus filhos, ou os próprios homens, reunidos em um suposto Estado original pré-estatal. Toda a teoria política medieval são variações desta certeza.
Acontece que há 500 anos, em 1513, um ex-funcionário do governo florentino escreveu um livro no qual colocava a questão a nu. Em "O príncipe", Nicolau Maquiavel mostrava que o objetivo do Estado não tinha nada a ver com a felicidade ou a segurança dos cidadãos: ele existia para perpetuar a si próprio. Esta verdade era tão evidente e tão constrangedora que o escritor foi condenado por católicos e protestantes (que não concordavam em quase nada), liberais e comunistas. Ser chamado de "maquiavélico" ainda é ofensivo.
Entretanto, Maquiavel não estava simplesmente aconselhando políticos que buscavam manter o poder: estava mostrando que os governantes bem-sucedidos e as formações estatais que tiveram alguma perenidade gastavam todas as suas energias na autopreservação, independentemente do caráter das suas ações. Ao transformar a política em uma ciência econômica, os ingleses e escoceses do século XVIII também partiram deste princípio.
Outros dois que perceberam de maneira clara esta natureza das formações estatais foram Marx e Engels, em cujos nomes costuma-se cometer injustiças intelectuais. O primeiro, observando o funcionamento do Parlamento da Renânia, na década de 1840, notou que o Estado funciona basicamente para proteger aqueles que o administram.
Engels, 40 anos depois, também expôs a lógica do Estado em termos de uma proteção muito seletiva de grupos sociais - sempre aqueles que controlam o próprio aparato estatal.
O fato, entretanto, é que não há registro de uma formação estatal que tenha como traço característico constitutivo essencial o bem do conjunto da população. Quem entra na gerência do Estado atua necessariamente para a sua manutenção, mesmo que isto seja feito contra o conjunto da sociedade - e o militante partidário que disser o contrário estará necessariamente mentindo. O governo só se moveu em prol da sociedade, ao longo dos últimos 600 anos, quando esta se mobilizou contra o Estado, constrangendo-o de forma pacífica ou não.
Se os sans-culottes tivessem esperado Luís XVI baixar de bom grado o preço do pão, ainda estaríamos vivendo no Absolutismo. Se escravos e abolicionistas tivessem aguardado na lavoura ou em suas casas até que o Estado imperial decidisse bondosamente pela Abolição, a sociedade brasileira não seria composta inteiramente por cidadãos.
Afinal, quase todos somos favoráveis ao estado democrático de direito.
Parece, entretanto, que há nesta postura uma certa dose de incompreensão histórica. O Estado, desde que foi estabelecido de forma aparentemente definitiva no Ocidente, no século XV, nunca esteve montado essencialmente para o bem geral da população. É claro que desde a Antiguidade, com Aristóteles, e por toda a Idade Média, teóricos e teólogos afirmaram que os governos existem essencialmente para o bem dos homens. A grande dúvida era sobre quem havia decidido por sua implantação: Deus, que sempre quer o melhor para os seus filhos, ou os próprios homens, reunidos em um suposto Estado original pré-estatal. Toda a teoria política medieval são variações desta certeza.
Acontece que há 500 anos, em 1513, um ex-funcionário do governo florentino escreveu um livro no qual colocava a questão a nu. Em "O príncipe", Nicolau Maquiavel mostrava que o objetivo do Estado não tinha nada a ver com a felicidade ou a segurança dos cidadãos: ele existia para perpetuar a si próprio. Esta verdade era tão evidente e tão constrangedora que o escritor foi condenado por católicos e protestantes (que não concordavam em quase nada), liberais e comunistas. Ser chamado de "maquiavélico" ainda é ofensivo.
Entretanto, Maquiavel não estava simplesmente aconselhando políticos que buscavam manter o poder: estava mostrando que os governantes bem-sucedidos e as formações estatais que tiveram alguma perenidade gastavam todas as suas energias na autopreservação, independentemente do caráter das suas ações. Ao transformar a política em uma ciência econômica, os ingleses e escoceses do século XVIII também partiram deste princípio.
Outros dois que perceberam de maneira clara esta natureza das formações estatais foram Marx e Engels, em cujos nomes costuma-se cometer injustiças intelectuais. O primeiro, observando o funcionamento do Parlamento da Renânia, na década de 1840, notou que o Estado funciona basicamente para proteger aqueles que o administram.
Engels, 40 anos depois, também expôs a lógica do Estado em termos de uma proteção muito seletiva de grupos sociais - sempre aqueles que controlam o próprio aparato estatal.
O fato, entretanto, é que não há registro de uma formação estatal que tenha como traço característico constitutivo essencial o bem do conjunto da população. Quem entra na gerência do Estado atua necessariamente para a sua manutenção, mesmo que isto seja feito contra o conjunto da sociedade - e o militante partidário que disser o contrário estará necessariamente mentindo. O governo só se moveu em prol da sociedade, ao longo dos últimos 600 anos, quando esta se mobilizou contra o Estado, constrangendo-o de forma pacífica ou não.
Se os sans-culottes tivessem esperado Luís XVI baixar de bom grado o preço do pão, ainda estaríamos vivendo no Absolutismo. Se escravos e abolicionistas tivessem aguardado na lavoura ou em suas casas até que o Estado imperial decidisse bondosamente pela Abolição, a sociedade brasileira não seria composta inteiramente por cidadãos.
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