FOLHA DE SP - 17/07
Polícia Federal conclui que onda de boatos sobre programa social do governo não teve origem criminosa; Caixa ainda deve explicações
Após 55 dias de investigação, a Polícia Federal esclareceu que não foram cometidos crimes na onda de boatos sobre o fim do Bolsa Família em maio. Reiteradas mentiras das autoridades envolvidas, porém, contribuem para que permaneçam obscuras as explicações sobre os acontecimentos.
Ontem, esta Folha revelou que a Caixa Econômica contrariou norma federal ao antecipar a distribuição dos benefícios sem autorização do Ministério do Desenvolvimento Social. A pasta é a principal responsável pelo Bolsa Família e única instituição apta a alterar o calendário de pagamentos.
Isso não havia ficado claro. Dois meses atrás, o presidente do banco público, Jorge Hereda, afirmou, de forma esquiva, que o procedimento "foi comunicado" ao ministério. Era, agora se sabe, uma artimanha: a lei é clara ao dispor que a antecipação dos pagamentos precisa ser aprovada pela pasta, e não apenas informada a ela.
Esse não foi o único episódio no qual a direção da Caixa faltou com a lisura que se espera de autoridades públicas. Revelou-se falsa a primeira versão do banco para a confusão verificada em maio.
Entre os dias 18 e 20 daquele mês, uma multidão correu às agências da Caixa em 13 Estados para sacar o dinheiro do Bolsa Família. Temia-se que o benefício se extinguisse em breve. Houve tumulto e depredação de unidades do banco.
A direção da Caixa então declarou que havia antecipado o pagamento justamente para evitar que o alvoroço aumentasse.
Reportagem desta Folha mostrou, no entanto, que a versão oficial não se sustentava: no dia 17 de maio --antes de os tumultos ganharem força no país--, uma beneficiária do programa na região metropolitana de Fortaleza já havia recebido o pagamento antecipado.
Ela não estava sozinha. Os R$ 2 bilhões em benefícios foram depositados de uma só vez nas contas das 13,8 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa Família. Normalmente, a liberação ocorre de forma escalonada ao longo de dez dias. Foi essa mudança súbita, e sem aviso, um dos principais fermentos para toda a confusão, segundo apuração da Polícia Federal.
Ou seja, os boatos surgiram de forma espontânea, e não sob a liderança de alguém "criminoso" e "desumano". Desmentiu-se, assim, a afirmação da presidente Dilma Rousseff, cujo governo, não sem alguma dose de oportunismo político, tratou de imputar à oposição a responsabilidade pelo ocorrido.
Faria melhor a presidente se cobrasse conduta mais transparente de seus subordinados. Seu silêncio diante da trapalhada ainda mal esclarecida faz crer que aumentou a tolerância do governo com os próprios erros.
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