sábado, junho 15, 2013

Perto ou longe do brejo - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 15/06

Só cegos e irresponsáveis não verão o absurdo aumento dos encargos que recaem sobre de toda população


O centro do noticiário para o cidadão brasileiro se desdobra, hoje, em dois dados principais: aqui, a ameaçadora criminalidade violenta; no exterior, instabilidade universal das condições econômicas. Chegam a nós em uma espécie de gangorra intermitente, dos Estados Unidos à China, espraiando resultados pela velha Europa.

A situação é séria. Gera o aparente absurdo de, em nosso país --onde se exibirão os deuses do futebol--, as manchetes sobre economia, câmbio e crise monetária predominam. Deixam perplexos os contribuintes.

A palavra contribuinte não aparece aqui como exemplo da necessidade do Estado organizado, no arrecadar fundos para operar sua máquina administrativa. Para impor o dever de pessoas físicas ou jurídicas pagarem, a tempo e hora, os valores da arrecadação necessária, definidos em normas redigidas pelo mesmo Estado.

O paradoxo força a distinção de dois substantivos: contribuinte e imposto. Mostram a contradição entre os verbos dos quais decorrem.

Em visão ampla, contribuir é prestar ajuda ou praticar ato voluntário a benefício de outrem. Impor, ao contrário, é exigir encargo ou comportamento não recusável pelo destinatário da ação assim definida.

Na história, imposto é um dos mecanismos pelos quais o Estado impõe a pessoas físicas e jurídicas o dever de alimentar as finanças garantidoras da operação da máquina estatal.

Entre o momento inicial da quantificação do encargo, do valor, do dever de pagar até encher os cofres públicos, se compõe uma peça teatral, cujos atores representam papéis contraditórios por natureza.

Os pagadores obrigatórios tendem a achar excessivo o encargo. Mais ainda: incompatível com sua adequada aplicação para o bem de todos e não de uns poucos. Já os aplicadores públicos tendem a insistir na necessidade de aumentos perpetuamente agravados.

Há desculpas --verdadeiras ou não-- das quais o povo tem a séria desconfiança de estar sendo enganado desde tempos imemoriais. É uma espécie de ópera bufa em que se generaliza a hipocrisia de heróis e bandidos, quase não distinguíveis.

O aumento das violências ou das agressões leva, às vezes, a situações escandalosamente injustas.

Imaginemos uma grande cidade cujo transporte urbano (que atende elevado percentual da população), como dever essencial do município, esteja a enfrentar sérios prejuízos resultantes da ação de pessoas que, sob escusa de reclamarem de aumentos no preço (justa ou injustamente não importa), desatem a destruir veículos e equipamentos, materiais, vidraças, instalações, mercadorias, bens de toda ordem, onerarão gravemente o bolso de todos.

Há um lado pessimista da avaliação, mas é impossível esquecer que ela é confirmada pela estatística, mesmo quando não se dê toda atenção que esse quadro merece.

No quadro da destruição de meios e sistemas de operação da máquina da cidade, em seus múltiplos aspectos, só cegos e irresponsáveis não verão o absurdo aumento dos encargos que recaem sobre toda a população, sob o disfarce de lutar por ela, destruindo bens, obstruindo serviços imprescindíveis, mesmo os da saúde pública.

Até boas iniciativas podem afundar no brejo, quando não se perceba a proximidade deste. Ou faltem mecanismos de seu controle.

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