O GLOBO - 15/06
Quando minha neta Alice desiste de explicar alguma coisa ao interlocutor, ela não perde tempo e diz, resignada: "(não adianta) Você não entende." Esta semana me senti assim, quando minha empregada pediu ajuda para um dever de casa. Ela tem 48 anos, trabalha conosco há 20, mora na Baixada Fluminense e estuda à noite, mesmo acordando de madrugada para viajar quase três horas em ônibus e trem. Cursa o primeiro ano do Segundo Grau num colégio particular de Belford Roxo e a tarefa que tinha de realizar na disciplina de Filosofia era "Nietzsche: vontade de poder". Como único subsídio, o professor escreveu no quadro:
"O racionalismo ético não é a única concepção filosófica da moral. A moral racionalista foi erguida com finalidade repressora e não para garantir o exercício da liberdade. Não existem fenômenos morais, mas apenas uma interpretação moral dos fenômenos." Paro por aqui porque o texto continuava igualmente hermético. E também porque ouvi os ecos de Alice martelando na minha cabeça: "Você não entende." Realmente tira-ria zero com o que entendi.
Lembrei-me então do Veríssimo agradecendo ao Google por ter-lhe ensinado a escrever Nietzsche. Corri para o novo "pai dos burros" na esperança de que, além da ortografia certa, eu aprenderia tudo o que o professor queria. O primeiro choque foi esbarrar com a definição: "A vontade de poder não é um ser, nem um devir, é um pathos." Entendeu? Havia, porém, um consolo: "O legado da obra de Nietzsche foi e continua sendo ainda hoje de difícil e contraditória compreensão. Ele se apresenta como alvo de muitas críticas na história da filosofia moderna, pelas dificuldades de entendimento na forma de apresentação das figuras e/ou categorias ao leitor ou estudioso, causando confusões devido principalmente aos paradoxos dos conceitos de realidade ou verdade."
Se até onde há resposta para tudo é difícil explicar o pensamento do filósofo alemão, quem sou eu para ajudar no trabalho de minha amiga? Ali-ce tinha razão: "Você não entende." E entendo menos ainda esse método confuso de ensino. Seria uma orientação oficial ou uma opção do professor? De qualquer maneira, uma forma sofisticada de castigo intelectual capaz de afastar qualquer um de Nietzsche e da filosofia.
Entrega de prêmios costuma não ter graça, a não ser para os premiados. Mas o 24º Prêmio da Música Brasileira foi um espetáculo à altura do homenageado, Tom Jobim, esse gênio que o Brasil exportou para o mundo. Ouvir suas obras-primas na voz (e instrumentos) de vários de nossos melhores intérpretes foi uma bênção. Entendi tudo, Alice.
"O racionalismo ético não é a única concepção filosófica da moral. A moral racionalista foi erguida com finalidade repressora e não para garantir o exercício da liberdade. Não existem fenômenos morais, mas apenas uma interpretação moral dos fenômenos." Paro por aqui porque o texto continuava igualmente hermético. E também porque ouvi os ecos de Alice martelando na minha cabeça: "Você não entende." Realmente tira-ria zero com o que entendi.
Lembrei-me então do Veríssimo agradecendo ao Google por ter-lhe ensinado a escrever Nietzsche. Corri para o novo "pai dos burros" na esperança de que, além da ortografia certa, eu aprenderia tudo o que o professor queria. O primeiro choque foi esbarrar com a definição: "A vontade de poder não é um ser, nem um devir, é um pathos." Entendeu? Havia, porém, um consolo: "O legado da obra de Nietzsche foi e continua sendo ainda hoje de difícil e contraditória compreensão. Ele se apresenta como alvo de muitas críticas na história da filosofia moderna, pelas dificuldades de entendimento na forma de apresentação das figuras e/ou categorias ao leitor ou estudioso, causando confusões devido principalmente aos paradoxos dos conceitos de realidade ou verdade."
Se até onde há resposta para tudo é difícil explicar o pensamento do filósofo alemão, quem sou eu para ajudar no trabalho de minha amiga? Ali-ce tinha razão: "Você não entende." E entendo menos ainda esse método confuso de ensino. Seria uma orientação oficial ou uma opção do professor? De qualquer maneira, uma forma sofisticada de castigo intelectual capaz de afastar qualquer um de Nietzsche e da filosofia.
Entrega de prêmios costuma não ter graça, a não ser para os premiados. Mas o 24º Prêmio da Música Brasileira foi um espetáculo à altura do homenageado, Tom Jobim, esse gênio que o Brasil exportou para o mundo. Ouvir suas obras-primas na voz (e instrumentos) de vários de nossos melhores intérpretes foi uma bênção. Entendi tudo, Alice.
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