Mantega exagera ao dizer que protestos não tomam por alvo a política econômica, que é pano de fundo da insatisfação e desconfiança
Trouxe apreensão o depoimento do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na Comissão de Finanças da Câmara. Para além das habituais críticas da oposição, fica a constatação de que o ministro permanece alheio a uma realidade econômica mais desafiadora do que ele parece crer.
Nem mesmo os protestos das últimas semanas --para os quais decerto contribuíram a inflação persistente e seu efeito corrosivo sobre a renda-- lograram abrir uma cunha nas convicções do ministro.
Se a confiança já vinha abalada pelas deficiências próprias da gestão, o recuo das vendas no varejo e da ocupação de hotéis em cidades com grandes manifestações, como São Paulo, deveria ao menos servir para conter-lhe a jactância.
Mantega ainda se gaba por uma "nova matriz econômica". Aos três ingredientes da política econômica de FHC e Lula --metas de inflação, câmbio flutuante e algum controle fiscal-- ele teria adicionado um fermento desenvolvimentista: juros baixos, o real mais desvalorizado e desonerações setoriais.
Toda a política econômica nos últimos anos, contudo, esteve mais centrada, de fato, em dar sobrevida à expansão do consumo. A expectativa era que a demanda aquecida aumentaria a disposição de investimento dos empresários.
O governo não percebeu que os limites do modelo ficavam mais evidentes. O crédito para bens de consumo já cresceu bastante e se avizinha da média internacional.
O endividamento das famílias atingiu nível preocupante. O compromisso com juros e amortizações já engole 21,5% de seu orçamento. As concessões de novos empréstimos para pessoas físicas estão estagnadas há dois anos. A inadimplência só não subiu pois o nível de emprego segue alto.
Não há surpresa aí. Contratar e demitir são ações custosas, e as empresas demoram a se ajustar --o que já começa a acontecer. Nos últimos meses é evidente a perda de vigor da criação de vagas.
Para completar o quadro de desalento, a alta da inflação desde meados do ano passado teve um impacto negativo na renda disponível. Alimentos e serviços subiram 14,1% e 8,5%, respectivamente, nos últimos 12 meses.
A confiança do consumidor despencou. O nível atual do indicador, medido pela Fundação Getulio Vargas, corrobora uma estagnação do varejo. Espera-se alguma melhora à frente, mas o consumo não recuperará tão cedo o ímpeto dos últimos anos.
Se o investimento não reagir, o PIB dificilmente crescerá mais que 2,5% ao ano até 2014. Tudo seguirá na mesma --a não ser pelas dificuldades vividas nos lares e ocasionalmente vocalizadas nas ruas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário