O ESTADO DE S. PAULO - 28/06
Durante caminhada por um parque público, o autor destas linhas ouviu trechos da conversa entre dois senhores com mais de 60 anos: "O problema e o aparelhamento do poder pelos partidos que estão no governo federal e até em outros; só interessa, só se faz o que é conveniente para manter no poder o pessoal desses partidos; sindicatos, associações, nada disso importa mais". Não é de estranhar, assim, que os movimentos de rua tenham sido mobilizados, via internet e telefones celulares, pelas redes sociais, que independem de partidos. Nem que 77% das pessoas mobilizadas por essas vias tenham diploma universitário (77%) e menos de 25 anos de idade (53%), segundo pesquisa recente (Folha de S.Paulo, 19/6).
As redes sociais abrangem 79 milhões de pessoas no País (Estado, 18/6). Setenta entidades já se mobilizam agora para reunir 1,5 milhão de assinaturas em favor de uma Assembleia exclusivamente Constituinte - embora não se saiba qual será o projeto básico para essa nova Constituição - e há partidários e adversários no Congresso e no Judiciário. Mas parte dos manifestantes não aceita a participação de parlamentares (Agência Estado, 21/6). O próprio presidente do PT-SP, Edinho Silva, aceita a crítica de que seu partido não assimilou os novos movimentos sociais (21/6) e precisa encontrar uma "agenda para a juventude". Talvez por isso, esta semana o PT deu alguns sinais de rebeldia, criticando a presidente da República.
Que respostas a parte da sociedade desligada de partidos e governos dará aos cinco projetos básicos enunciados pela presidente? Esta começou pela proposta de "responsabilidade fiscal" nos governos federal, estaduais e municipais. Mas como se fará isso num regime generalizado de incentivos fiscais para tantos setores? Como se fará se há Estados que já concederam um total de incentivos - para instalação de empresas em seus territórios - equivalente a mais de dez vezes sua arrecadação anual e não abrem mão desses sistema, como se tem visto nas discussões no Congresso e no Confaz? E o passe livre combina com a proposta? Quem pagará?
O segundo ponto é o da "reforma política", com plebiscito, já com contestadores nos partidos e fora, até argumentando que a internet "não revogou a Constituição", que tem dispositivos específicos para esse caminho. E se tudo precisa passar pelo Congresso, como esquecer que ali tiveram apoio projetos - execrados nas ruas - a favor da revogação de poderes do Ministério Público para investigações (afinal rejeitada, sob pressão) e da "cura gay", entre vários? Como deslembrar que o Executivo federal tem partilhado o poder com agremiações políticas e parlamentares que defendem posições repudiadas nas passeatas? Correrá o risco de perder esse apoio e tornar-se minoritário no Parlamento?
Um terceiro tema do pronunciamento presidencial, o dos transportes, colide com a pregação do equilíbrio fiscal, ao propor a isenção de contribuições, desoneração de impostos estaduais e municipais, alívio nos impostos sobre energia elétrica e óleo diesel, além de mais verbas orçamentárias (R$ 50 bilhões) para investimentos na "mobilidade urbana" (enquanto se entopem as ruas com veículos produzidos com incentivos fiscais). A destinação de 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde pode enfrentar a resistência de Estados produtores.
O capítulo dos transportes urbanos talvez seja o mais complicado, porque não se circunscreve à questão do preço dos bilhetes. A cidade de São Paulo, por exemplo, perde R$ 33 bilhões anuais com o trânsito, 10% do seu PIB (Estado, 19/9/2010). E o tempo médio consumido pelo paulistano para se deslocar não para de crescer: há dois anos já era de duas horas e 49 minutos diários, o que significa um total de um mês por ano. A frota brasileira em dez anos dobrou (21/10), em São Paulo foram mais de 34 milhões de veículos entre 2001 e 2011. Mas o que se planeja é um multibilionário trem-bala Rio-São Paulo. Como se pretende enfrentar essas questões?
Da mesma forma, não parece definido com eficácia o que se fará na área da saúde. Um ponto já levanta acirrada polêmica, seja entre profissionais da saúde, seja na população: a contratação de médicos no exterior.
E tudo isso acontece em meio à queda nos índices de aprovação do governo e da presidente, assim como em meio à descrença progressiva nos três Poderes da República. A presidente e seu Ministério viram cair para apenas 19% seu índice de aprovação alta, ante 51% na avaliação anterior (Folha de S.Paulo, 19/6). Isso pode indicar que não faltará apoio para novas manifestações convocadas pelas redes sociais.
Tudo leva às mesmas perguntas já formuladas no artigo da semana passada neste espaço: conseguirão as redes sociais formular um projeto político para o País - e não apenas reivindicações pontuais? Se conseguirem e tiverem apoio social, como conseguirão torná-lo viável em termos legais? Como ficará o governo, que até aqui se tem mantido graças a apoio negociado com uma base política que se mantém adstrita a seus interesses específicos, e não a desejos mais amplos da sociedade? Ou caminhamos, como outros países, rumo a transformações bruscas, mas também ineficazes? Ou ainda - o que parece menos provável - haverá um esvaziamento dos protestos? Sem falar que o País continua sem uma estratégia básica que dê prioridade a suas vantagens comparativas, a começar pelas áreas de energia e recursos naturais.
Parece não haver dúvida de que vivemos um tempo em que as instituições se mostram defasadas em relação às aspirações sociais. Excetuados os países mais ricos da América do Norte ou do Norte da Europa, onde problemas sociais são menos agudos, e países fechados politicamente, autoritários - a China é o exemplo mais forte o panorama em toda parte só desperta aflições. E o que se anuncia para o Brasil não parece ainda mudar o panorama.
As redes sociais abrangem 79 milhões de pessoas no País (Estado, 18/6). Setenta entidades já se mobilizam agora para reunir 1,5 milhão de assinaturas em favor de uma Assembleia exclusivamente Constituinte - embora não se saiba qual será o projeto básico para essa nova Constituição - e há partidários e adversários no Congresso e no Judiciário. Mas parte dos manifestantes não aceita a participação de parlamentares (Agência Estado, 21/6). O próprio presidente do PT-SP, Edinho Silva, aceita a crítica de que seu partido não assimilou os novos movimentos sociais (21/6) e precisa encontrar uma "agenda para a juventude". Talvez por isso, esta semana o PT deu alguns sinais de rebeldia, criticando a presidente da República.
Que respostas a parte da sociedade desligada de partidos e governos dará aos cinco projetos básicos enunciados pela presidente? Esta começou pela proposta de "responsabilidade fiscal" nos governos federal, estaduais e municipais. Mas como se fará isso num regime generalizado de incentivos fiscais para tantos setores? Como se fará se há Estados que já concederam um total de incentivos - para instalação de empresas em seus territórios - equivalente a mais de dez vezes sua arrecadação anual e não abrem mão desses sistema, como se tem visto nas discussões no Congresso e no Confaz? E o passe livre combina com a proposta? Quem pagará?
O segundo ponto é o da "reforma política", com plebiscito, já com contestadores nos partidos e fora, até argumentando que a internet "não revogou a Constituição", que tem dispositivos específicos para esse caminho. E se tudo precisa passar pelo Congresso, como esquecer que ali tiveram apoio projetos - execrados nas ruas - a favor da revogação de poderes do Ministério Público para investigações (afinal rejeitada, sob pressão) e da "cura gay", entre vários? Como deslembrar que o Executivo federal tem partilhado o poder com agremiações políticas e parlamentares que defendem posições repudiadas nas passeatas? Correrá o risco de perder esse apoio e tornar-se minoritário no Parlamento?
Um terceiro tema do pronunciamento presidencial, o dos transportes, colide com a pregação do equilíbrio fiscal, ao propor a isenção de contribuições, desoneração de impostos estaduais e municipais, alívio nos impostos sobre energia elétrica e óleo diesel, além de mais verbas orçamentárias (R$ 50 bilhões) para investimentos na "mobilidade urbana" (enquanto se entopem as ruas com veículos produzidos com incentivos fiscais). A destinação de 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde pode enfrentar a resistência de Estados produtores.
O capítulo dos transportes urbanos talvez seja o mais complicado, porque não se circunscreve à questão do preço dos bilhetes. A cidade de São Paulo, por exemplo, perde R$ 33 bilhões anuais com o trânsito, 10% do seu PIB (Estado, 19/9/2010). E o tempo médio consumido pelo paulistano para se deslocar não para de crescer: há dois anos já era de duas horas e 49 minutos diários, o que significa um total de um mês por ano. A frota brasileira em dez anos dobrou (21/10), em São Paulo foram mais de 34 milhões de veículos entre 2001 e 2011. Mas o que se planeja é um multibilionário trem-bala Rio-São Paulo. Como se pretende enfrentar essas questões?
Da mesma forma, não parece definido com eficácia o que se fará na área da saúde. Um ponto já levanta acirrada polêmica, seja entre profissionais da saúde, seja na população: a contratação de médicos no exterior.
E tudo isso acontece em meio à queda nos índices de aprovação do governo e da presidente, assim como em meio à descrença progressiva nos três Poderes da República. A presidente e seu Ministério viram cair para apenas 19% seu índice de aprovação alta, ante 51% na avaliação anterior (Folha de S.Paulo, 19/6). Isso pode indicar que não faltará apoio para novas manifestações convocadas pelas redes sociais.
Tudo leva às mesmas perguntas já formuladas no artigo da semana passada neste espaço: conseguirão as redes sociais formular um projeto político para o País - e não apenas reivindicações pontuais? Se conseguirem e tiverem apoio social, como conseguirão torná-lo viável em termos legais? Como ficará o governo, que até aqui se tem mantido graças a apoio negociado com uma base política que se mantém adstrita a seus interesses específicos, e não a desejos mais amplos da sociedade? Ou caminhamos, como outros países, rumo a transformações bruscas, mas também ineficazes? Ou ainda - o que parece menos provável - haverá um esvaziamento dos protestos? Sem falar que o País continua sem uma estratégia básica que dê prioridade a suas vantagens comparativas, a começar pelas áreas de energia e recursos naturais.
Parece não haver dúvida de que vivemos um tempo em que as instituições se mostram defasadas em relação às aspirações sociais. Excetuados os países mais ricos da América do Norte ou do Norte da Europa, onde problemas sociais são menos agudos, e países fechados politicamente, autoritários - a China é o exemplo mais forte o panorama em toda parte só desperta aflições. E o que se anuncia para o Brasil não parece ainda mudar o panorama.
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