O GLOBO - 29/06
Não sei quem lançou a moda, nem onde nem quando, mas o fato é que a palavra “foco” alastrou-se como uma epidemia, isto é, de maneira “viral”, para usar outro modismo vocabular. O termo está em toda parte, passou a frequentar os mais variados ambientes e parece capaz de resolver todos os nossos problemas — ou de criá-los. Diz-se que o governo Dilma não perdeu o rumo, “perdeu o foco”. A seleção venceu não porque jogou melhor, mas porque finalmente “encontrou o foco”, explicou um comentarista na televisão. Os partidos de oposição são contra a proposta de plebiscito porque se trata de uma tentativa de “desviar o foco” da onda de protestos que tomou conta das ruas. Como não podia deixar de ser, a moda chegou também aos jovens manifestantes. Líderes do movimento têm enfatizado a necessidade de prestar atenção, ou melhor, de ‘focar” no risco de desvirtuamento das manifestações causado pela infiltração de vândalos, arruaceiros e demais bandidos encapuzados. Já está virando praxe: as passeatas começam pacíficas, ordeiras, vão engrossando e acabam em arrastões, com quebra-quebra, bombas, saques e conflitos. Seis pessoas já morreram em Minas, SP, Pará e Goiás.
Representantes do Movimento Passe Livre chegam a desconfiar, sem provas, de que a PM de SP esteja infiltrando agentes para incitar a desordem nos protestos, uma hipótese repelida pela polícia. De qualquer modo, segundo eles, os cuidados “foram redobrados”. Por outro lado, já se notam em certos setores da sociedade sinais de preocupação e medo. No Rio, como mostrou ontem a repórter Laura Antunes, houve uma queda de até 50% no faturamento de shoppings, lojas de rua, hotéis e bares nos quatro dias de tumultos na cidade. Clínicas médicas e odontológicas também tiveram prejuízo. O boato espalhado pelas redes sociais de que haverá uma greve geral na segunda-feira já serviu para cancelar reservas em restaurantes da Zona Sul carioca.
Além disso, há o estresse de parte a parte. “O cansaço físico e mental está visível no semblante de cada PM”, registrou a repórter Ana Cláudia Costa. Como exigir serenidade de policiais que há duas semanas estão virando sem folga e sob tensão? Também entre os manifestantes não se sabe até quando vai ser possível manter esse ritmo quase ininterrupto de participação. Talvez por isso já surjam entre eles divergências e dissidências, o que é mais ou menos natural. É uma questão, digamos, de foco. Risco mesmo, capaz de corroer o movimento, é a insistente infiltração dos marginais.
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