GAZETA DO POVO - PR - 29/06
Inflação, corrupção, desperdício e uma carga tributária incompatível com a qualidade do serviço público deixam o cidadão cada vez mais indignado
Assim que os gigantescos protestos passarem e se arrefecerem as exaltações, será possível analisar melhor a extensão do movimento e também que medidas são possíveis para melhorar o país. Ninguém tem todas as explicações, e muito menos as saídas para a enorme insatisfação demonstrada pelas multidões nas ruas, o que não impede cada grupo de oferecer as soluções consideradas mais adequadas.
Na terça-feira, em um encontro no Instituto Lula, o ex-presidente pediu a sindicatos e movimentos sociais alinhados com o petismo para “ir à rua” e “enfrentar a direita e empurrar o governo para a esquerda”, na descrição de um participante que não quis ser identificado. Antes mesmo dessa reunião, CUT, sindicatos e outros movimentos já tinham marcado um ato para a manhã de hoje, em Curitiba. Na pauta estão a “desmilitarização da polícia”, um “novo marco regulatório das comunicações” e outros itens que pouco têm em comum com quatro razões muito claras para os protestos e a indignação das massas.
A primeira delas é a corrupção. A população se cansou de ver jogados em sua cara, todos os dias, os casos de desvios, fraudes, superfaturamentos e todo tipo de falcatrua praticada pelos agentes do Estado. Desde vereadores, prefeitos, deputados, senadores, funcionários e fornecedores do governo, chegando até os mais altos cargos da República, como ministros, é extensa a lista de homens públicos pegos nos mais variados tipos de corrupção. Assim, não era de estranhar que uma das primeiras bandeiras levantadas nas ruas tivesse sido o arquivamento da PEC 37, que retiraria o poder do Ministério Público de fazer investigações criminais. A demanda foi bem-sucedida e a PEC caiu na Câmara dos Deputados. Mas, a julgar pelas reivindicações divulgadas pela CUT e pela APP-Sindicato, a corrupção não está entre os temas que serão levados à rua.
Outro fator que revolta o brasileiro é o desperdício. Num país com tantas carências, postos de saúde sem medicamentos e escolas caindo aos pedaços, a construção de estádios de futebol bilionários em cidades que nem futebol têm é um escárnio. Funcionários fantasmas, marajás do serviço público, excesso de pessoal nos três poderes, aposentadorias de funcionários do governo muito acima dos trabalhadores privados... esses são alguns exemplos de que o Estado brasileiro vive para si mesmo, de costas para a população que é quem paga a conta. A Copa está na mira do protesto de hoje, mas e o inchaço e o aparelhamento do Estado, que provocam danos muito mais duradouros?
Apenas na crítica aos péssimos serviços públicos há uma maior convergência com a pauta das entidades aliadas ao petismo, embora pouco seja feito para entender as causas do caos atual. A população se cansou de pagar impostos tão altos e receber serviços públicos tão precários. O mau atendimento nas repartições públicas, a baixa qualidade da saúde e da educação, a infraestrutura destruída – como as estradas esburacadas, os portos congestionados, os aeroportos superlotados e o infernal trânsito nas grandes cidades – são exemplos do sofrimento imposto ao povo, cuja paciência se esgotou. O aumento nas tarifas dos transportes foi apenas o estopim para a explosão de ódio e raiva.
E, por último, a inflação. Quando o mundo desenvolvido sabe que qualquer inflação acima de 3% já é motivo para nervosismo social, a inflação de alimentos no Brasil a 14% em 12 meses é um estopim contra a incapacidade governamental de controlar a elevação de preços. Em todas as grandes crises políticas das últimas décadas, a inflação estava lá, como elemento detonador de raiva e de protestos. Assim foi em 1964, na crise do governo Goulart, e o mesmo se deu em 1992, na crise de Collor. Mas a desastrosa política econômica do governo atual passa ao largo das reivindicações de hoje.
Isoladamente, cada um desses problemas tem seu poder de enfurecer as massas. Juntas e parecendo piorar a cada dia, essas quatro razões produziram uma bomba de insatisfação, raiva e desalento, e levaram as massas às ruas em protestos como jamais o país havia presenciado. O recado é claro: o povo não aceita mais viver sob um Estado corrupto, ineficiente, falido e desmoralizado. Que os políticos sejam capazes de entender o recado das ruas e fazer as reformas necessárias.
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