O GLOBO - 18/06
Políticos deveriam entender as manifestações de rua e tratar de sanear as legendas, para que passem a ser canais legítimos de reivindicações da população
Depois das manifestações do MPL, Movimento do Passe Livre, na quinta-feira, no Rio e São Paulo, analistas políticos passaram a se dedicar a entender o que se passa — a imprensa, inclusive. O que parecia um pequeno movimento de estudantes alegadamente contra o aumento de tarifas de ônibus, acompanhado por grupos de anarquistas, sempre atentos a oportunidades como esta para atos de vandalismo, ganhou outra dimensão, principalmente a partir das passeatas de ontem.
Manifestações, à mesma hora, no Rio, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte remetem a momentos que fazem parte da História: cassação de Collor, Diretas Já. Claro, não há sequer de longe comparação com a atual conjuntura política. O fenômeno é de outra natureza e passa ao largo da estrutura partidária e de organizações de longa história de militância, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e sindicatos, anestesiadas pelo convívio próximo com poder e suas benesses, nestes últimos 12 anos de PT e aliados no Planalto. Foram todos surpreendidos pelo crescimento desta onda de críticas a “tudo isto que aí está”, cuja faísca de ignição foi o custo do transporte urbano, no qual milhões de brasileiros padecem todos os dias. Elucidativo que alguns ativistas levem cartazes com a mensagem de que “nenhum partido me representa”. Reflete o enorme distanciamento entre legendas e a sociedade, construído com a ajuda de uma legislação deficiente, fonte de absurdas distorções.
Série de reportagens publicadas na semana passada pelo GLOBO sobre a estrutura partidária traça um diagnóstico deste divórcio crescente entre partidos e eleitores. É sabido que regras irreais, incentivadoras da dispersão partidária, não apenas diluem a representatividade como favorecem a entrada de oportunistas na vida pública, um dos fatores que contribuem para a degradação da imagem da democracia representativa, uma grave ameaça às liberdades. As 30 legendas legalmente registradas, um número excessivo, movimentam R$ 1 bilhão por ano, dos quais R$ 350 milhões do Fundo Partidário, provenientes do contribuinte. Mesmo que o partido não tenha sequer um parlamentar eleito, ele é beneficiado pela distribuição de 5% do Fundo Partidário. Assim, por exemplo, o Partido da Causa Operária (PCO), com 2.560 filiados no país, sem qualquer eleito na Câmara, recebeu do contribuinte, no ano passado, R$ 629.081. Já o Partido Ecológico Nacional (PEN), com irrisórios 247 filiados, embolsou R$ 343.303.
Se considerarmos que as legendas com bancada no Congresso têm garantido tempo no horário gratuito, por menores que sejam, conclui-se que as oportunidades de negócios são mais amplas. Entendem-se, então, cartazes de protesto contra os partidos. Infelizmente, a própria classe política resiste à criação de uma cláusula de barreira que saneie a estrutura partidária, e a torne capaz de, afinal, representar de fato o eleitorado e canalizar as reais reivindicações da população.
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