FOLHA DE SP - 30/04
Estudos de economistas com "lamentáveis deslizes" são, no entanto, tomados como a palavra de Deus
Em maio de 2003, resumi, na página A2 desta Folha, um alentado estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional em 1999, que desmontava a sabedoria convencional que diz que aumentar os juros derruba a inflação e vice-versa.
O leitor e pesquisador Jacques Dezelin mergulhou em 1.323 casos de 119 países e verificou que, na maioria absoluta dos casos, a inflação caiu, tenha o respectivo Banco Central aumentado, diminuído ou mantido a taxa de juros.
A maior porcentagem de êxito (ou seja, de casos em que a inflação caiu) se deu justamente quando o BC reduziu os juros. Nesse caso, a porcentagem de sucesso foi a 62,18% dos 476 casos examinados, contra 50,75% dos 398 casos em que a inflação caiu quando a taxa de juros aumentou.
Mais: a segunda maior porcentagem de sucesso se deu quando não se mexeu nos juros (53,45%).
Conclusão de Dezelin: "O que os dados estatísticos do FMI apontam é o caráter meramente aleatório da relação (ou melhor, a ausência de relação) entre a variação da taxa de juros do BC e a inflação".
É uma afirmação tão temerária quanto assumir, como fazem os economistas ortodoxos e, a bem da verdade, a grande maioria de todos os demais, que é sempre necessário e até inevitável aumentar os juros para combater a inflação.
Talvez o mais lógico, acrescentava eu e reafirmo agora, seja examinar caso a caso, país a país, circunstância a circunstância. Ou, posto de outra forma, aumentar os juros como reflexo condicionado pode ser tão científico quanto jogar os búzios.
Rememoro o episódio para deixar claro como é fácil aceitar como palavra de Deus estudos nada santos.
É o que está se vendo agora com o trabalho de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, dois renomados economistas da grife Harvard, que sustentaram a tese de que endividamento acima de 90% do PIB torna inviável o crescimento econômico.
Com isso, as políticas de austeridade para reduzir a dívida ganharam o seu Santo Graal. Afinal, quem vai duvidar de dois ex-FMI, ainda por cima com todo o lustro de Harvard?
Até que surgiu Thomas Herndon, estudante de 28 anos, doutorando em Economia (Universidade de Massachusetts), que "desmascarou a mentira macroeconômica mais significativa dos últimos anos e sobre a qual os EUA e a Europa se apoiaram em sua campanha pela austeridade fiscal e o corte drástico do gasto público", como escreveu domingo "El País".
Reinhart e Rogoff cometeram erros básicos. Omitiram que Canadá, Austrália e Nova Zelândia tiveram dívida superior a 90% e nem por isso deixaram de crescer.
Outro erro, aliás primário: uma trapalhada com planilhas Excel para fazer certos cálculos.
Os dois economistas admitiram que cometeram um "lamentável deslize" mas juram que os erros não "afetam a mensagem central".
Pode ser, pode não ser, mas vamos combinar que, também no jogo de búzios, de repente a mensagem central pode igualmente ser certa.
Ah, quantas análises de economistas brasileiros resistiriam a um estudante determinado como Herndon?
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