O ESTADÃO - 30/04
Surgiu uma nova praga na agricultura brasileira. A pequena lagarta, do gênero Helicoverpa, arrasou plantações de soja e algodão, especialmente no oeste baiano. Ninguém sabe ao certo como ela chegou, nem descobriu como combatê-la. Parece castigo na roça.
Há meses, ainda na fase inicial das lavouras, imaginou-se que o bichinho, devorador de folhas e botões florais, fosse o mesmo encontrado nos milharais, a conhecida lagarta-da-espiga (Helicoverpa zea). Por alguma razão, teria a praga, supostamente, trocado sua predileção alimentar. Enquanto a agronomia destrinchava a questão, as lagartas mostravam sua voracidade: roças de algodão no município de Luís Eduardo Magalhães (BA) tiveram perdas de 50%. O problema espalhou-se. Estragos foram relatados em Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Paraná. Os prejuízos na safra estimam-se em R$ 1 bilhão.
Terminou a incredulidade quando os técnicos da Embrapa descobriram que a famigerada lagarta representa outra espécie, a Helicoverpa armigera, até então desconhecida no Brasil. Tratando-se de praga exótica, acabou enquadrada na classificação denominada "quarentenária A1", permitindo ao Ministério da Agricultura liberar, emergencialmente, a importação e o uso de inseticidas eficazes no controle do bicho. Tais produtos químicos se utilizam há tempos nos Estados Unidos, no Japão, na Austrália, na União Europeia. Curiosamente, porém, os técnicos do Ibama e da Anvisa tentaram impedir a medida governamental. Dane-se o agricultor, devem pensar.
Larvicidas biológicos (Bacillus thuringiensis) e outros defensivos já registrados no Brasil, embora utilizados para combater distintas lagartas, também foram liberados para uso imediato nas lavouras. A Embrapa, preocupada com as futuras safras, pois esta, bem ou mal, já foi colhida, definiu um programa de ações emergenciais para conter o avanço da nova praga. Locais com elevada infestação devem realizar nos próximos meses um "vazio sanitário" de, no mínimo, 60 dias, período durante o qual nenhuma lavoura de soja, algodão ou milho poderá ser plantada na área. O objetivo é reduzir a capacidade de multiplicação do inseto.
Razões da entomologia. Como se sabe, as lagartas logo se encasulam, depois sofrem a metamorfose e se transformam em borboletas, ou mariposas, e estas saem a botar nas folhas seus ovos, de onde nascem as famintas lagartinhas. Pois bem, a técnica do vazio sanitário procura interromper esse ciclo vital, contínuo, das pragas. Ajuda, mas não resolve tudo.
Há muito os cientistas pesquisam a razão do surgimento das pragas agrícolas. No Brasil, Adilson Paschoal tratou do assunto em seu pioneiro livro intitulado Pragas, Praguicidas e a Crise Ambiental (FGV/1979). O professor da Esalq/USP já mostrava, naquela época, o incessante aumento do número de pragas agrícolas, atribuindo tal fenômeno ao desequilíbrio biológico causado pelo avanço da agricultura sobre áreas naturais, somado ao efeito perverso dos inseticidas químicos de então. Tal combinação promoveu à categoria de praga insetos antes considerados inofensivos.
"Um fato esquecido pelos erradicadores de pragas", escreveu Paschoal, "foi que os insetos estão neste mundo há cerca de 400 milhões de anos, e o homem (Homo) há apenas dois milhões." Fantástico isso. Em decorrência, a capacidade de adaptação e a resistência genética dos insetos são incríveis. Mesmo que os agrotóxicos clorados, por serem persistentes no ambiente, bem como os produtos fosforados, muito tóxicos e abrangentes, tenham sido proibidos, substituídos por defensivos agrícolas mais seletivos e degradáveis, novas pragas teimam em irromper nas lavouras.
Acontece que, nas condições tropicais de agricultura, com calor e umidade elevada, a diversidade de espécies e as interações dos organismos vivos são tremendamente maiores que no clima temperado. Nos Estados Unidos ou na Europa quando chega o inverno os vegetais perdem as folhas, o solo gela, a neve paralisa a evolução das cadeias tróficas. Existe por lá um "vazio sanitário" natural, de origem climática. No Brasil, ao contrário, o tempo quente amaina, mas nunca cessa: plantam-se duas a três safras no mesmo local; insetos, fungos e bactérias reproduzem-se continuadamente. Potencializa o desequilíbrio ecológico.
Patógenos desconhecem as fronteiras geográficas. Basta verificar a história mais recente da agricultura nacional para verificar a incessante chegada de novas encrencas biológicas. O bicudo do algodoeiro, voraz besourinho, desembarcou no Brasil em 1983, causando grande desastre na cotonicultura. Na bananeira, o mal da sigatoka negra, a mais temida doença fúngica do mundo, surgiu em 1998, adentrando pela Amazônia, apavorando os fruticultores nacionais. Na citricultura, a doença do amarelinho, também conhecida como clorose variegada dos citros (CVC), apelidada de aids da laranja, constatou-se nos pomares paulistas pela primeira vez em 1987. Na Bahia, a terrível doença da vassoura-de-bruxa, descoberta em 1991, quase destruiu a cacauicultura nacional.
Variedades geneticamente resistentes, métodos de cultivo alternativos, novos defensivos químicos - em cada caso, a pesquisa agronômica acabou encontrando boas soluções para proteger a capacidade produtiva no campo. Mas a defesa fitossanitária, para ser eficiente, exige laboratórios de categoria, técnicos preparados, recursos financeiros. Nem sempre foi fácil superar as adversidades. Muito menos recuperar os prejuízos dos agricultores.
Gafanhotos fazem parte das dez pragas bíblicas do Egito. Rezas se justificam. Mas a História mostra que somente o conhecimento científico enfrenta a lagarta Helicoverpa.
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