O Estado de S.Paulo - 30/04
A farra fiscal está mais aberta do que nunca e já se pode considerá-la oficializada, depois da entrevista do secretário do Tesouro, Arno Augustin, ao jornal Valor. Em nome do formalismo, alguns poderão exigir, talvez, um carimbo presidencial sobre a palavra adequada - algo como farra, gandaia ou esbórnia.
Mas os fatos e as palavras são claros. O tratamento cada vez mais irresponsável das contas públicas é um dado bem conhecido. E a entrevista é mais que suficiente para eliminar qualquer ilusão de seriedade no manejo das finanças de governo, se ainda houver por aí alguma velhinha de Taubaté.
Deste ano em diante, o superávit primário, o dinheiro posto de lado para o serviço da dívida pública, "será sempre uma variável da economia", disse o secretário. Não será mais, acrescentou, uma variável ligada à própria dívida. Isso se estenderá, acrescentou, até 2016, se for reeleita a presidente Dilma Rousseff. Faltou esclarecer por que só até 2016, mas esse tipo de restrição é pouco significativo no caso da gestão petista. Em outras palavras, abram alas porque mais gastança vem aí.
A irresponsabilidade, praticada há vários anos e agora exibida como bandeira de governo, vem travestida de política contracíclica. Essa conversa é velha e é parte do repertório do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Mas há uma novidade importante. O secretário Arno Augustin, conhecido por sua proximidade com a presidente Dilma Rousseff, apresentou esse estilo de ação como estratégia permanente. Sem abandonar o cuidado fiscal, disse ele, o governo deverá adequar a ação fiscal aos ciclos econômicos, elevando o gasto em tempos difíceis e contraindo a despesa em fases de prosperidade.
Como prova de sua boa-fé, mencionou os resultados fiscais a partir de 2008. Ninguém pode levar a sério essa argumentação, exceto por ingenuidade. É bem conhecida a arrumação dos resultados fiscais com despesas classificadas como investimentos e com truques cada vez mais escandalosos, como os tirados da cartola no fim do ano passado.
As declarações realmente significativas são outras. A administração federal, disse o secretário, continuará abatendo investimentos e desonerações da meta de superávit primário e ainda autorizará maior investimento de Estados e municípios quando o crescimento econômico for muito lento.
Não se trata só de rever as condições impostas a governos estaduais e municipais quando suas dívidas foram refinanciadas. Isso seria razoável, mas a conversa é outra. A ordem é generalizar a esbórnia fiscal. Tudo pela reeleição?
Política anticíclica é um nome bonito para a gastança - uma farra inútil, como têm sido as desonerações mal planejadas. Tanto nos anos bons quanto nos difíceis, a inclinação do governo petista foi sempre pela gastança. Há pelo menos seis anos, essa tendência foi reforçada com a política de favores a grupos escolhidos como favoritos. O Tesouro vem aumentando seu endividamento para reforçar o caixa dos bancos federais, especialmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e facilitar o fornecimento de recursos a empresas "campeãs".
Ao contrário do afirmado pelo secretário, o endividamento tem crescido. A dívida bruta do governo geral (administrações federal, estaduais e municipais e INSS) passou de 54,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em dezembro de 2011 para 58,7% em dezembro de 2012. Subiu para 59,2% em janeiro deste ano e ficou praticamente estável em fevereiro, na marca de 59,1%. A dívida líquida é mascarada por créditos muito discutíveis, como aqueles correspondentes a empréstimos fornecidos aos bancos da União.
O secretário prometeu mais ênfase ao investimento que ao gasto corrente. Mas o governo tem sido incapaz de realizar tanto os investimentos orçamentários quanto aqueles dependentes das estatais. Não por falta de dinheiro, mas de competência. Em 2012, a União só investiu 40% do total previsto no Orçamento. Mais de metade do desembolso foi de restos a pagar. Por que isso mudaria?
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