O Estado de S.Paulo - 06/04
As questões de desenvolvimento econômico e socioambiental que estão claramente definidas no atual contexto histórico do Brasil exigem perspectiva de longo prazo para serem equacionadas. Entre essas questões se destacam: a eliminação dos gargalos na infraestrutura econômica; o desenvolvimento das centenas de municípios e das inúmeras áreas economicamente deprimidas; a transição das políticas sociais compensatórias para as políticas de redução das desigualdades e assimetrias sociais; uma política de preservação e restauração da nossa base de recursos naturais; etc.
O hábito que se criou na burocracia estatal, desde o fim das últimas experiências de planejamento de longo prazo no fim dos anos 70, de atuar por meio de uma sequência interminável de intervenções casuísticas não pode perdurar. Jean Ladrière mostra que a lógica interna do sistema econômico pode chegar a absorver os agentes econômicos que exercem as atividades no seu quadro, à medida que estes se tornam incapazes de superar a sua própria condição. Identificando-se com os processos de que são os portadores, deixam-se conduzir pelas exigências que não cessam de nascer de suas próprias iniciativas.
Sem uma perspectiva de longo prazo em suas ações, os agentes e as instituições governamentais se entrelaçam nos mecanismos que eles próprios criaram e passam a ser conduzidos por uma espécie de processo acumulativo aparentemente sem limites. Ao sobrepor e acumular ações de curto prazo, desencadeiam forças que não podem controlar, induzem efeitos inesperados, promovem desencontros de expectativas e chegam à perda de confiabilidade perante a opinião pública.
Como evitar, pois, que as alternativas de políticas econômicas sejam, em última instância, comandadas pelas exigências das opções realizadas no passado, de tal forma que o sistema passa a subsistir em função de uma overdose de políticas de curto prazo de caráter pragmático? A necessidade dessa virada de mesa pode ser observada quando se constata o processo de deterioração que vem ocorrendo com as diferentes formas de capital de interesse público de nossa sociedade.
Algumas dessas deteriorações são visíveis, como a perda de qualidade de nossos recursos naturais (degradação de nossas bacias hidrográficas, a dramática perda da biodiversidade) ou de nossa infraestrutura econômica. Outras perdas são intangíveis, como a deterioração no capital institucional (baixa capacidade de gestão e de implementação de projetos pelas nossas instituições públicas, loteadas para atender sem critérios de mérito aos interesses velados e clientelísticos da base aliada) ou no capital humano, quando tem prevalecido no sistema educacional a regra de mais e mais insumos por menor produção de pessoal qualificado.
Um bom sistema de planejamento de longo prazo (mais indicativo, mais flexível, mais exato, mais rápido, mais descentralizado, mais participativo) pode ajudar a construir uma sociedade mais competitiva sistemicamente, mais justa socialmente e com melhor contrato natural. Mas esse planejamento não deve ser considerado só como método, mas, principalmente, como processo.
Como método, o nosso progresso em matéria de planejamento se destaca internacionalmente. As equipes técnicas do governo, das instituições universitárias e das empresas de consultoria têm produzido excelentes sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável, modelos de projeção com uso de metodologias na fronteira do conhecimento, relatórios profundos sobre o estado da arte de nossos ecossistemas, etc.
Contudo, as nossas experiências mais recentes mostram também o fracasso do planejamento como processo, em que a grande maioria das políticas, programas e projetos tem descarrilhado não nas etapas iniciais de formulação ou de mobilização das expectativas e aspirações dos beneficiários, mas na etapa da arte de implementação. Sem dúvida, uma indicação de nosso subdesenvolvimento político.
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