O GLOBO - 06/04
Estabelecimentos que se alimentam da burocracia movimentam bilhões de reais e se recusam a abrir os seus livros contábeis
Cartórios extrajudiciais, entidades privadas, não fazem parte da estrutura orgânica do Judiciário, mas prestam serviço público por delegação deste Poder, e são fiscalizados pelos tribunais. Por definição, existem para oferecer segurança jurídica ao cidadão, dando fé a documentos e transações comerciais. Deveriam, por isso, funcionar com inquestionável transparência — inclusive financeira —, mas muitos deles habitam, em todo o país, um meio ambiente refratário ao controle de suas atividades.
Assim operando, deixam às claras apenas a evidência de que se alimentam de uma rede de burocracia que custa caro aos clientes, toma-lhes tempo e lhes retribui com serviços nem sempre eficientes, quando não de fé duvidosa. Por outro lado, mantêm à prova de luzes o quanto seus proprietários faturam, por vezes em nebulosas transações.
Num outro viés do problema, um número ainda grande deles — os chamados cartórios biônicos — ignora a resolução do Conselho Nacional de Justiça, de 2006, segundo a qual tais estabelecimentos têm de ser geridos por oficiais concursados. Ao contrário, neles impera o princípio das capitanias hereditárias, transferindo-se titularidades de pai para filho.
Pouco se sabe da vida administrativa dos 13.555 cartórios privados do país. Os estabelecimentos se recusam a dar informações, principalmente as relativas ao faturamento. Que não é pouco: com base num levantamento do GLOBO, sobre repasses obrigatórios, estima-se que somente no Rio de Janeiro e em São Paulo o montante movimentado seja da ordem de R$ 5 bilhões. Um dinheiro captado do público, e empregado sob critérios que desafiam a fiscalização.
Essa caixa-preta dá abrigo a uma fortaleza corporativa e protege do sadio controle da sociedade uma máquina lenta para carimbar papéis e voraz na cobrança dos serviços. Tribunais de Justiça e Assembleias Legislativas, em geral, são camaradas com os tabeliães. Os critérios para a fixação dos valores de custas e emolumentos, definidos pelos TJs e aprovados pelo Legislativo, variam de tal forma, e sempre para avançar no bolso dos clientes, que em São Paulo, por exemplo, subiram 30% em três anos; no Rio, foram aplicados dois reajustes nos últimos três meses. Isso para remunerar serviços por eles monopolizados, como reconhecimento de firma, que nos EUA, em geral, é dispensado nos documentos.
A falta de transparência também estimula atos duvidosos, como o financiamento, pelos cartórios, via taxas extras cobradas do público, de entidades de direito privado, vedado por lei. No Rio, um desses beneficiários, como revelou O GLOBO em série de reportagens publicadas esta semana, é a Mútua dos Magistrados — associação de juízes que têm, como atribuição, fiscalizar os estabelecimentos que lhes repassam as verbas. Claro conflito de interesses. É preciso abrir a caixa-preta.
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