O Estado de S.Paulo - 23/04
Nas várias discussões que vi até o momento, observei o domínio do seguinte argumento: "Já era hora de estender os direitos gerais dos trabalhadores às empregadas domésticas porque elas vinham sendo tratadas como profissionais de segunda classe e isso não era justo". À primeira vista, achei o argumento razoável. Mesmo assim, resolvi aprofundar o meu entendimento e, para tanto, recorri à competência dos colegas da área jurídica que assinam este artigo.
Começamos com uma pergunta: Será que o ambiente em que trabalham as empregadas domésticas é igual ao ambiente das fábricas, dos bancos e dos hospitais onde trabalham as operárias, bancárias e enfermeiras?
Ao enfrentar essa questão, encontramos muito mais diferenças do que semelhanças. Para as empregadas que moram na casa dos empregadores, lembramos que elas não pagam aluguel, água, eletricidade, alimentação nem os impostos respectivos. Para aquelas que não moram no emprego, o usufruto desses benefícios é o mesmo, com exceção da moradia. Nada disso ocorre com as operárias, bancárias e enfermeiras.
No trabalho empresarial, o ponto é supervisionado, o horário de entrada e saída é rigoroso, as paradas para alimentação são fixas e nem se pensa na possibilidade de fazer descansos ou ver televisão durante a jornada. Numa palavra, o trabalho das empregadas domésticas é marcado pela flexibilidade. Os cuidadores de doentes e idosos, assim como as babás, têm demandas intermitentes ao longo da jornada, bem diferentes do que ocorre na linha de montagem das fábricas, no atendimento dos clientes nos bancos ou na administração de medicamentos aos doentes nos hospitais.
Ao prosseguir nas comparações, concluímos não haver dúvidas de que as domésticas trabalham em condições peculiares.
As leis brasileiras têm levado em conta essas distinções a ponto de regulamentarem jornadas, pisos e descansos de maneira diferente. Por exemplo, a jornada do médico e do advogado é de 4 horas por dia. A jornada dos digitadores tem de ser interrompida várias vezes para descanso. Para quem trabalha em turno ininterrupto de revezamento, são apenas 6 horas diárias. E assim por diante. As leis que regem essas jornadas seguem o princípio constitucional da isonomia, que trata igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
No caso das domésticas, esse princípio foi abandonado. Aprovou-se uma emenda constitucional que contraria a própria Constituição. A cozinheira, por exemplo, trabalha de manhã e no fim da tarde, podendo parar em outros horários. Das 14 às 18 horas, conforme o caso, ela pode descansar, assistir à TV e até sair da casa para tratar de assuntos particulares. A arrumadeira, se tiver de trabalhar à noite, costuma ser liberada total ou parcialmente durante o dia. Tudo isso é fruto de ajustes amistosos entre empregados e empregadores.
Em suma, as empregadas jamais poderiam ser equiparadas às empregadas de empresas. O constituinte de 1988 respeitou as referidas distinções ao estabelecer direitos diferenciados para essa categoria. O Congresso atual resolveu colocá-las na mesma condição das empregadas de empresas. As famílias já sentiram o peso da insegurança e começam a demitir mensalistas para contratar diaristas - e todos perdem.
O que fazer? Por meio de leis ordinárias e complementares é possível reduzir as alíquotas do INSS e do FGTS. Mas o regramento da jornada é de cunho constitucional. Só pode ser mudado por outra Proposta de Emenda Constitucional, que nenhum parlamentar se arriscará a apresentar. Outro caminho é acionar o Judiciário para corrigir os equívocos mencionados. Não é um absurdo que erros tão elementares sejam praticados por 513 deputados e 81 senadores?
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