segunda-feira, março 04, 2013

Os equívocos da política econômica CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

O ESTADO DE S. PAULO - 04/03
Em meu último artigo neste espaço, procurei mostrar que há uma restrição estrutural à expansão da oferta de bens e serviços na economia brasileira, dada pela escassez de mão de obra. A ideia de que a situação apertada do mercado de trabalho é um obstáculo ao crescimento - pelo menos no curto e no médio prazos-é compartilhada por boa parte dos analistas, embora não seja consensual. No entanto, há menos concordância no que se refere à taxa de utilização do Estoque de Capital Fixo (ECF), ou seja,das máquinas, equipamentos e construções - nestas incluídos não só os imóveis residenciais, comerciais e industriais, como também toda a infraestrutura produtiva (transporte, comunicações, energia, etc.)

Aceitar que a taxa de utilização do ECF também está elevada, ao mesmo tempo que a produtividade total dos fatores de produção (PTF) está praticamente estagnada, leva necessariamente à conclusão de que o atual nível do PIB está acima do potencial. Tal constatação é contra intuitiva, dadas as pífias taxas de crescimento observadas nos últimos dois anos e as perspectivas não muito animadoras para 2013.

Os economistas Regis Bonelli e Edmar Bacha publicaram recentemente o excelente artigo Crescimento Brasileiro Revisitado (capítulo 8 do livro Crescimento Econômico - Uma Perspectiva Brasileira, organizadores Fernando Veloso e outros). Nele, é examinada a evolução de longo prazo da economia a partir de modelos com ênfase nos determinantes da oferta agregada. Desse trabalho, dois pontos são relevantes para o tema que trato neste artigo.

O primeiro é que, segundo estimativas dos autores, a taxa de utilização do ECF da economia (de todos os setores, não só da indústria)era,no final de 2011, de 95,7%, superior à média dos últimos 10 anos (94%) e bem acima da média dos últimos 20 anos (92,4%). Dado que o investimento bruto registrou variação negativa em 2012, é fácil concluir que essa taxa de utilização tenha crescido ainda mais.

O segundo ponto refere-se à evolução da produtividade, tema que também tratei em meu artigo anterior. As estimativas dos mencionados autores são muito semelhantes às minhas, mas cobrem um período mais longo. Segundo elas, a PTF evoluiu historicamente a taxas muito baixas no Brasil (0,9% ao ano, se considerado o período 1948-2011). Além disso - e este é o ponto mais interessante-, ao decompor o crescimento da PTF nas contribuições para a produtividade do capital e do trabalho, os autores mostram que a primeira evoluiu negativamente (-0,36% ao ano), registrando taxas positivas em raros períodos.

Ou seja, todo o crescimento da PTF foi decorrente do aumento da produtividade do trabalho (1,24% ao ano).

As implicações desses resultados para a política econômica são imediatas. A mais evidente é que, além de investir pouco, o País não tem conseguido incorporar plenamente os avanços tecnológicos ao seu ECF. Ou seja, a qualidade de nossas máquinas, equipamentos, infraestrutura, etc., é precária.

Dado que a sobras de infraestrutura (transporte,energia,comunicações, etc.) fazem parte do ECF, a necessidade premente de suprir as carências nesses setores fica mais uma vez evidenciada.

Os baixos crescimentos da PTF e dos investimentos estão intimamente relacionados. Até a década de1980, alguns analistas acreditavam que a PTF nada mais era do que uma consequência da acumulação de capital, como no modelo de Paul Romer (1986). No entanto, acumulou-se sólida evidência empírica no sentido de que o crescimento da produtividade é que induz o investimento.Como diz o economista Paul Krugman, "a produtividade não é tudo,mas no longo prazo é quase tudo".

Com esse arcabouço teórico e empírico em mente, vejamos os maiores erros da atual política econômica brasileira.

Um deles é a tentativa de estimular o crescimento mediante ações agressivas voltadas à depreciação do real, prática que felizmente parece estar sendo abandonada pelo governo. Políticas protecionistas à indústria doméstica de bens de capital e ativismo cambial dificultam ainda mais a modernização do parque produtor nacional, na medida em que restringem e tornam mais caras as importações desses bens.

Outro é a tibieza das ações do governo para elevar a produtividade da economia, sem o que não haverá uma retomada sustentada dos investimentos.

A agenda voltada à modernização da infraestrutura tem vários pontos positivos, como abrir à iniciativa privada a exploração de rodovias, ferrovias, aeroportos e portos.Porém tem sido conduzida de forma titubeante,lenta e ineficaz.

Somente agora as autoridades sinalizaram com a possibilidade de permitir taxas de retorno capazes de atrair o interesse do setor privado nas concessões de rodovias.

Na contramão dessas iniciativas, o governo comete erros crassos. Por exemplo, continua utilizando a Petrobrás como meio para controlar a inflação, proteger a indústria nacional de equipamentos e,pior, para acomodar demandas de sua base de apoio político.

Isso tem reduzido drasticamente a eficiência da empresa, consumindo sua rentabilidade e atrasando o programa de prospecção e produção de petróleo, especialmente no tão sonhado pré-sal.

Nessa linha, cabe citar também a forma, algo truculenta, como se impôs a redução das tarifas de energia elétrica, bem como tantas outras intervenções na economia.

Além de desestimular o investimento no setor, a medida aumenta as incertezas (inibindo o investimento) em outros segmentos,dado o temor dos investidores de, eventualmente, receberem tratamento semelhante.

Finalmente, há deslizes na condução das políticas fiscal e monetária.Como vimos, existem restrições ao crescimento determinadas pela elevada taxa de utilização dos recursos produtivos, tanto trabalho como capital.Nessas condições, aumentos dos gastos públicos, como se observam atualmente no Brasil, bem como a manutenção do juro real em patamar excessivamente baixo, podem estar armando uma bomba-relógio para o cenário prospectivo de inflação.

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