O Estado de S.Paulo - 18/03
O conto do vigário já era comum em São Paulo quando o Viaduto do Chá foi inaugurado em 1892. O Viaduto veio a calhar para os vigaristas. Fazendeiros e negociantes do interior, que vinham a São Paulo, ficavam deslumbrados com a ponte de metal importado da Alemanha. Uma pinguela daquele tamanhão para passar por cima de um corguinho que nem o Anhangabaú! E ainda se pagava para usá-la: quase um tostão por pessoa. Tinha até porteira! Uma cancela na saída da Rua Direita vedava a passagem a quem não pagasse o pedágio. Mais leve do que colher café!
Se é verdade ou não, só Deus o sabe. Quem foi logrado não contou. Mas as histórias atravessaram o tempo: muito caipira teria comprado o Viaduto de vigaristas que de sua ingenuidade se aproveitavam. Roceiros que desconfiavam de banco, guardavam dinheiro dentro do colchão de palha de milho e dormiam em cima dele. Chegavam a São Paulo com o maço de notas enroladas e amarradas numa trouxinha de lenço de tabaco, bem guardada na algibeira. Muitas dessas histórias vinham do preconceito contra o caipira, é verdade. Mas o certo é que a vigarice se tornou rapidamente um item cotidiano da criminalidade local, mesmo que sem o exagero de histórias como essa. Os arredores das estações do Norte e da Luz demarcavam a geografia da malandragem.
O peculiar do conto do vigário é que o vigarista faz da vítima um cúmplice, o esperto que é tonto. Forma comum foi a de dar grande quantia de dinheiro bom em troca de quantia muito maior de dinheiro falso. Depois, o esperto comprador, imaginando que ia ganhar uma fortuna, descobria que o paco de dinheiro falso tinha só em cima e em baixo notas verdadeiras de 20 mil réis. O resto era papel de jornal cortado no tamanho do dinheiro de verdade. E havia quem, enganado, ainda ia à polícia fazer queixa: acabava preso porque, sem o saber, confessara-se cúmplice de falsário.
O conto do vigário começou a se difundir entre nós pouco antes da abolição da escravatura, com a grande imigração. Não só caipiras eram suas vítimas, brancos e negros, mas também os próprios imigrantes. Muito italiano caiu no logro, logrado por italiano. Um preto, mascate em Tietê, em 1894, vindo a São Paulo, para fazer as compras de seu negócio, foi enrolado por um forasteiro, na Praça da República. Quando viu, estava limpo.
No começo, eram chamados de "passadores do conto do vigário". Aos poucos, começou a ser usada a palavra "vigarista" e, bem mais tarde, a palavra "vigarice". O conto do vigário havia se tornado uma profissão. A modernidade chegara a São Paulo. Aliás, uma das primeiras notícias de vigarice na província de São Paulo dava como vítima o vigário de São Carlos, enganado, em 1887, no próprio confessionário, de quem o vigarista tungou nada menos do que 12 contos de réis, uma verdadeira fortuna.
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