O GLOBO - 18/03
Abre-se novamente a cortina do teatro especializado em comédia bufa para apresentar mais um ato das complexas relações comerciais brasileiro-argentinas. Agora, no entanto, com novos figurantes nas áreas de investimentos, fiscais e relações no trabalho.
No campo comercial o governo argentino revogou 17 resoluções que, desde 1999 até 2011, estipulavam a aplicação de licenças não automáticas de importação incidentes sobre diversos seguimentos industriais uma vez que as declarações juradas de antecipação de importações (DJAIs) e mecanismos adicionais passaram a filtrar com mais eficiência as compras externas. Mais recentemente passou a adotar o sistema "uno por uno" amparado pelo Comunicado A5397/2013 do Banco Central, pelo qual as empresas locais são obrigadas a apresentar exportações de igual valor para terem aprovadas suas compras externas.
Na área automotriz prenuncia-se novo embate ardente quando o atual acordo, em julho próximo, prevê o livre comércio entre as partes. Liberalização comercial é um termo praticamente banido no Mercosul, especialmente por nossos parceiros do Prata. Além de propor nova escala mais favorável no atual acordo de comércio administrado, provavelmente ocorrerão pressões para que as montadoras brasileiras adquiram maior montante de partes e peças argentinas como contraparte do regime automotriz autárquico implantado pelo governo brasileiro no ano passado.
Pelo visto, a redução do déficit comercial argentino com o Brasil, de quase US$ 6 bilhões em 2011 para US$ 1,5 bilhão em 2012, à custa de variadas restrições, não foi suficiente para aplacar a política de protecionismo a qualquer preço adotada por aquele governo às nossas exportações.
As repercussões das barreiras ao comércio, da centralização do câmbio e do descontrole inflacionário e fiscal do país passaram a influir negativamente nas decisões de permanência e de aporte de novos investimentos por parte de empresas brasileiras sediadas na Argentina. A decisão da Vale de suspender os investimentos de US$ 6 bilhões na exploração de potássio em Mendoza sinaliza uma progressiva deterioração nas relações bilaterais entre os dois países. Naquele projeto, além do aspecto legal e financeiro, há sérios envolvimentos fiscais e trabalhistas em jogo, o que demandará muito engenho diplomático e empresarial para resolver o impasse.
A questão principal é que o mercado argentino é o principal cliente de nossas exportações de manufaturados e o país não pode dar-se ao luxo de ver abruptamente rompido esse namoro. Nossas exportações manufaturadas já estão ameaçadas pelos voos livres que os parceiros da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru) estão articulando com o Atlântico Norte (agora mais reforçado pelo TTIP entre EUA e UE) e o leste asiático (China, Coreia do Sul, Japão e Cingapura entre outros) que ameaçam seriamente nossas preferências tarifárias e comerciais naqueles mercados.
O momento das relações bilaterais brasileiro-argentinas requer atitudes mais comedidas, objetivas e menos dramáticas por parte de ambos os governos visando a preservar os variados interesses recíprocos dos respectivos setores privados.
Caso essa tarefa se revele muito espinhosa, recomendo aos dois governos solicitar ao recém-eleito Papa Francisco sua primeira benção oficial visando a amenizar essa relação de amor e ódio que tem caracterizado o relacionamento comercial entre as duas maiores economias sul-americanas. Ora pro nobis.
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