REVISTA VEJA
Ideias tidas como geniais, mas na verdade inconvenientes, são mais comuns nos países em desenvolvimento do que nos ricos. A explicação está nos níveis de educação e no ambiente institucional das nações avançadas, que inibem a propagação dessas ideias. Nos países em desenvolvimento, é maior a dificuldade de entender como funciona uma economia de mercado e as motivações que levam empresários a assumir riscos e investir. Pouco se discutem custos e benefícios no caso de propostas de políticas públicas.
No artigo anterior, analisei quatro ideias não geniais que podem fundamentar más decisões. Sou tentado a me ocupar de outras quatro. A primeira é a lei aprovada pela Câmara Municipal de Campinas (SP), em dezembro, pela qual os restaurantes devem “conceder descontos e/ou meia-porção para as pessoas que realizaram cirurgia bariátrica” (redução do estômago). Acontece que os ingredientes da comida são o menor custo dos restaurantes. Os maiores são as despesas de aluguel e pessoal. Pela mesma lógica, os restaurantes deveriam ser autorizados a cobrar o dobro dos obesos.
A segunda, consagrada nas leis e nos costumes do país, é a da meia-entrada para estudantes e idosos em cinemas, teatros e eventos esportivos. Não há regra semelhante em outros países, pelo menos nessa extensão. Descontos ocorrem em ações promocionais, casos de lançamento de filmes, shows e peças teatrais (os previews) ou da redução de preços em sessões fora dos picos. A decisão é da empresa, e não da lei. Está em discussão no Senado projeto de lei que limita em 40% a venda da meia-entrada. É um paliativo, de difícil aplicação prática, que não resolverá as incertezas e distorções do desconto.
Em uma economia de mercado, não faz sentido obrigar uma empresa privada a cobrar dois preços para o mesmo serviço. O empresário é levado a aumentar o preço para todos os consumidores. Trata-se de um caso típico de “subsídio cruzado”, em que uns pagam mais para que outros paguem menos. A "bondade” dificulta o cálculo econômico, pois não dá para saber quantos espectadores terão o desconto. A discriminação de preços é uma das razões dos altos valores dos ingressos para eventos culturais e esportivos no Brasil. Estender a obrigação aos restaurantes é uma completa estupidez.
A terceira é aplicar os recursos do petróleo do pré-sal na educação. Aqui há dois equívocos: 1) a má qualidade da educação não deriva da insuficiência de recursos, e sim da má gestão dos existentes. Proporcionalmente, o Brasil gasta em educação tanto quanto os Estados Unidos e a Alemanha. E mais do que o Japão, a Coreia do Sul e a China, que constituem êxitos educacionais indiscutíveis; 2) despesas permanentes não devem ser financiadas com receitas finitas (um dia o petróleo acaba) ou voláteis (dependem de preços internacionais). A ideia pode acarretar mais desperdícios do que melhora da educação.
A quarta é a da lei que obriga a explicitar pelo menos sete impostos na nota fiscal. O objetivo, meritório, é conscientizar o contribuinte e levá-lo a reivindicar uma menor carga tributária e melhores serviços públicos. Propagou-se que é assim nos Estados Unidos e na Europa. Não é bem o caso. Nos Estados Unidos, o sale lax consta da nota porque incide apenas na venda final ao consumidor e por isso é obrigatório o seu cálculo no momento da transação. A nota não informa sobre outros impostos que gravaram o produto. Na Europa, o registro do imposto sobre o valor agregado (IVA) na nota fiscal não é a regra. Mesmo nos países onde isso ocorre o consumidor não sabe o valor dos demais impostos. É incrível que em meio ao nosso manicômio tributário se crie mais uma obrigação para as empresas. É pouco provável que a lei atinja seus objetivos. No caso da carga tributária, seu tamanho é essencialmente o efeito de gastos obrigatórios como os de aposentadoria, funcionalismo, educação e saúde, de difícil redução. Não há conscientização capaz de provocar a diminuição da carga nos anos vindouros.
Proposições equivocadas, ainda que bem-intencionadas, precisam passar no teste de sua conveniência e viabilidade. Isso costuma acontecer em países desenvolvidos, mas pelo visto não é a regra por estas plagas.
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