Valor Econômico - 20/03
A possível elevação da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central (BC) nos próximos meses produzirá um efeito colateral que, em Brasília, não passará despercebido: o aumento dos juros cobrados nas operações de crédito para pessoas físicas e empresas. Essas taxas, assim como a Selic, estão no menor patamar desde o início do Plano Real.
Desde que o BC passou a sinalizar a possibilidade de iniciar um novo ciclo de aperto monetário, os bancos começaram a se preparar para elevar o juro que cobram de seus clientes. Quando calculam o juro pré-fixado de um empréstimo, as instituições financeiras olham antes para as taxas de juros negociadas no mercado futuro.
Se o juro sobe nos contratos futuros, na prática as operações de crédito ficam imediatamente mais caras. É por isso que a autoridade monetária tem o poder de, por meio de uma declaração ou de um documento, iniciar um processo de aperto monetário antes mesmo de subir formalmente a Selic.
No dia 7 de fevereiro, o presidente do BC, Alexandre Tombini, declarou à imprensa que não estava confortável com o aumento da inflação em janeiro e com o grau de difusão dos reajustes de preços na economia. Para enfrentar o problema, disse que o BC estava considerando "tudo".
Como o Comitê de Política Monetária (Copom) vinha afirmando, desde outubro, que manter o juro estável por um período de tempo suficientemente prolongado era a melhor estratégia, setores do mercado entenderam que "tudo" contemplava a mudança de política e, portanto, um possível aumento da taxa Selic. De fato, de lá para cá as sinalizações mudaram. O Copom eliminou, de sua comunicação, a menção à estabilidade do juro e acenou com a possibilidade de aperto monetário.
Poucos bancos elevaram suas taxas de juros desde 7 de fevereiro. Trata-se de uma situação nova no país. O grau de sensibilidade política do tema "juros" é tão grande, na gestão Dilma Rousseff, que mesmo os bancos privados temem a reação do Palácio do Planalto a movimentos de alta. O assunto é hoje um tabu que não se limita à seara dos bancos estatais. O juro baixo é, antes de mais nada, uma plataforma política da presidente.
"Obrigatoriamente, os bancos teriam que aumentar os spreads [diferença entre taxa de captação e de empréstimo] desde a fala do Tombini. Pouca gente fez isso", atesta um banqueiro que pediu para não ser identificado.
Neste momento, os bancos aguardam apenas um possível movimento do Copom para calibrar suas taxas, nesse caso, já sem constrangimento, uma vez que o BC estará oficialmente aumentando o custo do dinheiro ao elevar o juro que serve de parâmetro para o mercado. Algumas instituições - ou todas elas - veem nisso uma oportunidade para recompor parte da margem perdida durante a queda dos juros em 2012. Não se tenha dúvida: a alta da Selic vai melhorar a rentabilidade dos bancos.
Há um risco real de as taxas de juros cobradas de consumidores e empresas voltarem a níveis parecidos, se não iguais, com os do período anterior a agosto de 2011, quando o Banco Central começou a cortar a Selic para trazê-la ao menor patamar da história. Mesmo que o Copom comece o ciclo de alta com aumento de apenas 0,25 ponto percentual na Selic, o juro bancário terá salto bem maior, de um a dois pontos percentuais, segundo estimativa de uma fonte do mercado.
Durante o ciclo de queda da Selic, o governo usou os bancos oficiais para forçar a redução dos spreads cobrados pelos bancos privados. Embora tenha limites, a estratégia deu certo. Dados do BC (ver gráfico) mostram que, desde o início do governo Dilma, a taxa de juros média recuou bastante em algumas modalidades de crédito - desconto de duplicata (-37%), capital de giro de até 360 dias (-28,6%) e financiamento de automóveis (-24,4%) -, embora não tanto em outras - crédito pessoal (-9%) e consignado (-14,6%).
O Copom deu a entender que pode aumentar a taxa Selic apenas em maio, mas há a possibilidade inclusive de não fazê-lo. O Comitê, pressionado pelo governo, submeteu a decisão a indicadores de atividade econômica e inflação que serão divulgados até a reunião de 29 de maio.
Mesmo que o Produto Interno Bruto (PIB) venha forte no primeiro trimestre, como esperam governo e uma boa parte dos analistas, o Palácio do Planalto pressionará a diretoria do BC a não elevar o juro. Um dos argumentos é o de que a inflação acumulada em 12 meses terá recuado entre março e abril, algo igualmente esperado. Além disso, haverá a alegação de que, com a entrada da safra agrícola, os preços dos alimentos, que têm pressionado a inflação desde meados de 2012, tenderão a recuar. O problema é que o movimento pretendido pelo BC não visa conter a atividade ou a inflação corrente, mas as expectativas dos agentes econômicos.
O efeito da alta da Selic sobre o juro bancário será outro obstáculo - mais um, entre tantos - a ser superado pelo Copom, caso deseje realmente elevar a taxa básica de juros.
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