FOLHA DE SP - 19/02
O retorno do presidente Hugo Chávez a Caracas, vindo de Cuba, desencadeou as habituais manifestações de júbilo na parcela de venezuelanos que o elege há 14 anos. Centenas afluíram ao centro da capital para comemorar o que interpretaram como sinal de derrota de um câncer contra o qual o mandatário luta há 20 meses.
Não há, contudo, indicações claras de que sua saúde de fato tenha melhorado. Menos ainda de que venha a recuperar-se o bastante para tomar posse normalmente.
A volta se deu cercada do sigilo característico. Aconteceu no meio da madrugada, direto para um quarto de hospital militar. As únicas imagens veiculadas em quase dois meses de internação foram as fotografias distribuídas na sexta-feira com o evidente propósito de provar que estava vivo.
O regresso se tornou conhecido por bilhetes eletrônicos que podem ter sido escritos pelo próprio presidente ou por qualquer pessoa do círculo de familiares e auxiliares -entre eles o vice-presidente nomeado, Nicolás Maduro- que controla o racionamento de informações a que o público foi submetido.
"Chegamos de novo à pátria venezuelana. Obrigado meu Deus!! Obrigado povo amado!!" -saudou o caudilho pelo perfil @chavezcandanga. "Continuo ligado a Cristo e confiante em meus médicos e enfermeiras. Até a vitória sempre!!"
Chávez estaria impedido de falar, por força de uma traqueostomia, mas, alegadamente, participa de todas as decisões de governo. A confecção meticulosa dessa imagem heroica, com tintas do mais puro misticismo latino-americano, serve para ganhar tempo, acomodar facções e permitir uma transição menos tumultuada para um chavismo sem Chávez.
O fato de o país ser governado há meses por um vice não eleito, indicado por presidente que nem chegara a assumir o cargo, tem amparo do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que chancelou o arranjo.
Com essa autoridade precária Maduro começou a tomar decisões tornadas inadiáveis pela fragilidade da economia de um só produto (petróleo), como a recente desvalorização da moeda em mais de 30%.
Para evitar que a anomalia se estenda pelos 180 dias previstos na Constituição até declarar-se o impedimento definitivo do presidente, o que exigiria novas e imprevisíveis eleições, o TSJ pode agora dar posse a um Chávez acamado.
Por ora, interessa a Maduro manter a Venezuela de joelhos -"rodilla en tierra", dizem os chavistas mais fiéis. Ou seja, na posição reverente de quem reza pela volta milagrosa do mártir e comandante.
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