O Estado de S.Paulo - 16/02
Vem em boa hora a decisão do Ministério Público Federal (MPF) de investigar o emprego dos recursos repassados pelo governo federal a municípios atingidos por calamidades naturais, pois são cada vez mais frequentes as denúncias de que eles vão parar onde não deviam. Qualquer ato de corrupção na administração pública tem de ser combatido sem trégua e com o máximo de rigor, mas esses de forma especial. Eles são particularmente revoltantes, porque envolvem desvio de dinheiro destinado a socorrer vítimas de tragédias, a maior parte das quais pessoas humildes que perderam parentes e os poucos bens materiais que possuíam.
Um grupo de trabalho especial do MPF vai mapear as investigações em curso sobre casos desse tipo em todo o País e, ao mesmo tempo, aprofundar a apuração de outros que surgirem daqui para a frente. A lei permite que, em casos de calamidade, com a decretação de estado de emergência nos municípios por ela atingidos, as contratações de obras e serviços sejam feitas sem licitação e com simplificação dos trâmites burocráticos. A intenção é tornar mais ágeis e rápidas as ações destinadas a enfrentar uma situação excepcional.
Segundo a subprocuradora Denise Vinci Túlio, da 5.ª Câmara de Patrimônio Público e Social, aquele grupo vai acompanhar as contratações feitas por prefeituras com recursos federais, nesse regime especial, para evitar que administradores públicos se aproveitem da comoção social para aplicar irregularmente o dinheiro ou dele fazer uso político, nos dois casos para dele se beneficiar pessoalmente.
Desde o início deste ano, vem-se multiplicando, em ritmo acelerado, a decretação de estado de emergência por municípios que alegam sofrer com calamidades naturais, inundações ou secas. Segundo o Ministério da Integração Nacional, nada menos do que 523 municípios já fizeram isso. A situação é especialmente grave em Alagoas, como mostra reportagem do Estado (13/2), onde 32 novos prefeitos, um terço do total dos eleitos no ano passado, decretaram estado de emergência. Com a maior desfaçatez, alegaram para isso descalabro financeiro.
"Fomos surpreendidos por uma avalanche de decretos emergenciais. Na maioria dos casos, os novos prefeitos acusam o antecessor de desmandos administrativos. Isso não justifica decretar emergência. Não basta querer nem só acusar, é preciso provar a necessidade e delimitar o alcance do ato", afirma Cícero Amélio, presidente do Tribunal de Contas de Alagoas, que está investigando o caso e já anulou 12 daqueles decretos. Este é um exemplo do que alguns prefeitos são capazes de fazer para burlar a lei que regula essa matéria.
A pouca-vergonha dos estados de emergência - seja porque não têm base, como em Alagoas, seja porque são usados para falcatruas - se espalhou pelo País. Está presente em todas as regiões e não perdoa Estados pobres nem ricos. A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil identificou mais de 200 casos desse tipo em todo o País. No Piauí, um dos Estados mais pobres, alguns prefeitos chegaram ao cúmulo de usar o estado de emergência para reservar dinheiro para custear despesas com carnaval.
No outro extremo, o Rio Grande do Sul, Estado rico e bem organizado, também não escapa dessa mazela. Após constatar irregularidades em quatro municípios, o presidente do TCE gaúcho, César Miola, decidiu passar os demais por um pente-fino e advertiu: "Esses decretos não poderão servir de argumento para descabidas dispensas de licitação".
É preciso a todo custo evitar que o péssimo exemplo do que aconteceu na região serrana do Estado do Rio, cenário da maior tragédia natural do País, com as inundações de 2011, continue a se espalhar. Estima-se que grande parte dos R$ 70 milhões que o governo federal colocou à disposição das prefeituras dos municípios afetados se perdeu no ralo da corrupção.
A legislação que rege matéria, reforçada pela Lei 12.608, de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção Civil, tem os instrumentos para acabar com os abusos. Basta aplicá-los.
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