FOLHA DE SP - 16/02
SÃO PAULO - Traição. Para Shakespeare, ela é pior que o assassinato. Já Dante reservou o nono e mais baixo círculo do inferno para punir os que se voltaram contra sua própria nação, família, amigos ou grupo. Ali, são submetidos a torturas excruciantes -e por toda a eternidade.
E, fora da literatura, traições são tratadas de forma ainda mais dura. Nesse contexto, é compreensível que o instituto da delação premiada, que não deixa de ser uma forma de deslealdade, não goze da melhor das reputações. Como mostrou a Folha, há até mesmo advogados de defesa que recusam potenciais clientes que pretendam fazer um acordo com a Justiça. Ou eles ficam com a boca fechada, ou procuram outro defensor.
É incomum que tarimbados profissionais do direito rejeitem de antemão o que pode ser, em certos casos, a mais efetiva estratégia de defesa. Minha hipótese para o fenômeno é que a repulsa à ideia de traição é tão visceral que, às vezes, obnubila um exame mais judicioso do caso.
Deve-se reconhecer que a delação premiada é uma ferramenta valiosa demais para ser desprezada apenas com base em impulsos emocionais. Hoje, com quadrilhas que operam como se fossem empresas altamente organizadas, com estruturas hierárquicas que preservam a cúpula de sujar as mãos, informações que venham de dentro podem ser a única forma de chegar aos chefões.
É certo que a delação premiada envolve questões complicadas. A mais óbvia é que, para safar-se ou ter sua pena reduzida, o suposto meliante arrependido diga o que as autoridades queiram ouvir, mesmo que não corresponda à verdade. É preciso realmente ter preocupação com esse tipo de problema e tentar aperfeiçoar a legislação para dar conta das dificuldades, não abandoná-la.
Embora a simples perspectiva de o poder público estimular a delação cause ojeriza, cabe lembrar que não está entre os objetivos do Estado incentivar a ética entre bandidos.
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