O ESTADÃO - 11/02
O espetáculo que se vê nas passarelas é fantástico. É admirado no mundo inteiro, não há outro lugar que consiga apresentar uma combinação de músicas e coreografia tão complexa e linda, e aqui ela é superada ano após ano. E fruto do esforço de dezenas de milhares de amadores que dão um show de organização, sincronia e criatividade. É prova irrefutável de que há capacidade gerencial e de renovação no Brasil.
Um país que é literalmente rico por natureza. Tem grandes jazidas, clima tropical, hidrografia abundante, um litoral extenso e piscoso, belezas naturais variadas, uma topografia conveniente, um território continental, uma pirâmide populacional favorável, estabilidade política, um povo trabalhador e um empresariado dinâmico, para citar algumas de suas vantagens.
É paradoxal que, com esses atributos e um governo comprometido, o Brasil tenha um desempenho aquém do esperado. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é anêmico, está entre os mais fracos da América Latina. Agravando o quadro, as projeções para os próximos anos são de que cresça menos que o resto do mundo. Outros indicadores, como a inflação e a inadimplência, estão em alta. É um desempenho incompatível com o potencial do Brasil. Algo que preocupa quase todos no País e muitos no exterior.
Há três razões para explicar- o que está ocorrendo. A primeira é a desculpa da crise na Europa. Ela incomoda, mas não é tão ruim assim para o Brasil: o preço das commodities continua elevado, há fluxos financeiros abundantes e as taxas de juros internacionais estão num piso histórico. Contrastando, alguns vizinhos sul-americanos estão crescendo bem, apesar da turbulência no velho continente. O ponto é que, responsabilizando fatores externos como origem das dificuldades internas, se deixa de olhar para os motivos reais dos problemas, que são justamente os que se podem controlar.
A segunda causa é o dogmatismo da política econômica. Esta tem alguns méritos, mas também tem falhas. Entretanto, não muda. Insiste-se em soluções que não funcionam. A política de crédito é um exemplo: apesar de todos os estímulos e belos anúncios, a inadimplência aumentou e o efeito nas margens foi pífio. E não há sinais de alteração no radar. Outra ilustração é o desempenho do PIB, fraco em relação ao seu potencial - e o que aflige mais é que uma mudança de estratégia nem sequer é cogitada.
São muito destacadas como mérito do governo as medidas adotadas para que o Brasil superasse a crise de 2008 melhor do que outros países, mas não é mencionado que foi pior do que alguns países que usaram estratégias diferentes da seguida aqui. Cabe a questão de quanto da superação foi por causa da política econômica, ou apesar dela, se poderia ter sido melhor com outra e como fatores exógenos influenciaram. O destaque é a inflexibilidade da gestão governamental.
A boa condução na economia é sempre uma adaptação às circunstâncias observando bons princípios, não uma ideologia rígida defendida com unhas e dentes - que é o que se observa. Por um lado, faz-se o jogo do contente, com um discurso exageradamente otimista apontando os méritos da gestão do País. Por outro, as críticas à política econômica são vistas como críticas ao governo. Não são. Ninguém está torcendo contra; pelo contrário, todos querem o melhor, e alguns apontam falhas passíveis de retificações.
O terceiro motivo é a miopia. Um exemplo dela é o objetivo do PIBão em 2013. Politicamente, é ruim, o governo fica refém de um resultado do qual tem pouco controle. Enquanto o ritmo de crescimento ao longo do tempo depende de boa política econômica, o de cada ano é muito influenciado por fatores circunstanciais, como a generosidade do clima, os termos de troca com o resto do mundo e a dinâmica de estoques do comércio. Mais grave ainda é que, por ganhos miúdos no presente, repassam custos graúdos para o futuro.
O slogan País rico é país sem pobreza é outra ilustração do viés imediatista. É meritório e necessário acabar com a miséria com subsídios pontuais, mas é o primeiro passo apenas. O importante é incluir os marginalizados, torná-los bem-sucedidos economicamente, evitando um clientelismo assistencialista. É uma questão de cidadania deles e de sua contribuição para a prosperidade do País. O desafio da política econômica é construir-lhes um por vir.
É paradoxal, mas a extensão de horizontes na política econômica tem um efeito colateral benéfico, uma aceleração dos investimentos e resultados melhores no presente. Investidores olham para o longo prazo para investirem no curto, e a ordem dos fatores altera o produto, literalmente. A causa do desempenho aquém do potencial do Brasil, diferentemente do que apontou a revista The Economist, não é a equipe, e sim a cartilha, que é inadequada, tem de mudar. A realidade impõe uma nova política econômica. A história mostra que, se bem elaborada, dá bons frutos. Os Planos de Metas e Real ilustram o ponto.
É hora de rasgar a fantasia, que quer dizer "mostrar-se como realmente é, depois de tê-lo dissimulado". Acabar com o enredo do jogo do contente, do PIBão, da contabilidade criativa e do zigue-zague de improvisações e escrever outro para soltar entraves como a carga tributária asfixiante, a legislação obsoleta, o desperdício de recursos e os regimes cambial e inflacionário incertos. E hora de concentrar a energia em construir uma prosperidade duradoura para o País.
Urge vestir a alegoria do "Brasilbão", o país das próximas décadas, e sair na avenida com uma agenda ambiciosa de reformas e ajustes e uma renovação na política econômica. As passarelas provam de maneira cabal que o Brasil é capaz e o governo pode ser o abre-alas. Bom carnaval a todos!
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