segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Enrolação e maquiagem - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 11/02

O governo federal prepara mais um truque para ma­quiar suas contas e encenar, como no ano passado, o cumprimento da meta fiscal. A gastança continuará e a gestão orçamen­tária será pelo menos tão ruim quan­to antes, mas a desculpa do Executi­vo terá sido preparada com muitos meses de antecedência. A ideia, des­ta vez, é abrir espaço para mais R$ 20 bilhões de incentivos tributários sem ter de cortar gastos ou arranjar recursos para compensar a renún­cia. No ano passado, o truque envol­veu, além do desconto de valores contabilizados como investimento, operações entre o Fundo Soberano e bancos federais e também a incorpo­ração de dividendos antecipados. Ne­nhuma pessoa informada poderia le­var a sério as explicações oficiais, embora ninguém tenha contestado a legalidade do arranjo. Igualmente le­gais têm sido a política de preços e outras aberrações - pelo menos algu­mas - impostas à Petrobrás desde o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As consequências de­sastrosas dessas medidas são hoje conhecidas em todo o mundo.

Os abusos cometidos contra a Petrobrás e a má administração das fi­nanças públicas são componentes da mesma história. O governo gasta muito mais tempo criando remen­dos, inventando maquiagens e con­tornando problemas do que buscan­do respostas efetivas para os gran­des desafios nacionais. A ação esco­lhida é sempre a mais confortável e mais populista - e geralmente a me­nos eficaz como política econômica. O caso dos incentivos fiscais é mais um exemplo. O governo continua tratando as dificuldades da indústria como questões conjunturais. Mas os grandes problemas, hoje, são muito diferentes daqueles enfrentados en­tre o fim de 2008 e o primeiro semes­tre de 2009.

O fracasso de 2011 e 2012 confir­ma o erro de diagnóstico, mas a equi­pe econômica se mostra disposta a insistir em estímulos temporários e localizados. Reduzir a carga tributá­ria seria muito bom, mas para isso se­ria preciso mexer mais amplamente em todo o sistema de receitas e des­pesas. Isso o governo rejeita, porque seriam indispensáveis medidas poli­ticamente custosas - a começar pela racionalização dos gastos públicos. Se estivessem dispostos a seguir es­se caminho, a presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, poderiam dispensar os truques de maquiagem fiscal.

Com esses truques, o governo pla­neja abater até 41,8% dos R$ 155,9 bilhões previstos como superávit pri­mário sem violar formalmente o compromisso. Podem contornar a restrição legal e até convencer algu­mas pessoas de muito boa vontade, mas nenhum artifício como esse mu­dará os fatos e impedirá a deteriora­ção da política fiscal e dos padrões da gestão pública.

Há no governo federal quem consi­dere superado o critério do superá­vit primário, resquício de programas combinados com o Fundo Monetá­rio Internacional (FMI). Em muitos outros países, de fato, esse critério é ignorado. Mas esse argumento é in­completo e pode ser tão enganador quanto aqueles truques.

De fato, em outros países se leva em conta o resultado nominal, isto é, o saldo final das contas públicas, incluído o pagamento do serviço da dívida. Se esse padrão fosse adota­do, a missão do governo seria mui­to mais complicada. O desajuste fis­cal brasileiro é menor que o dos paí­ses em crise, mas essa comparação também é uma forma de contornar os problemas. Pior que isso: acaba sendo usada para desviar a atenção da inegável deterioração da política fiscal.

Se o governo tivesse a firmeza ne­cessária para cuidar dos grandes pro­blemas, combateria diretamente a in­flação, em vez de aceitar qualquer al­ta de preços até o limite de tolerân­cia, de 6,5%. Mas é mais fácil conter os preços da gasolina e do diesel e ba­ratear este ou aquele item da cesta de bens e serviços, sem levar em con­ta, por exemplo, as consequências para empresas como a Eletrobrás e a Petrobrás. Cuidar dos problemas se­riamente envolveria também maior cuidado com os investimentos em infraestrutura, gastos federais, qualida­de dos tributos e prioridades dos bancos públicos. Fora disso, resta a política da enrolação - como a insis­tência na maquiagem das contas pú­blicas e dos índices de preços.


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