segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Alegorias carnavalescas nas contas públicas - MARCO ANTÔNIO ROCHA

O ESTADO DE S. PAULO - 11/02

O governo federal não teve tempo, mas poderia ter-se esforçado para, pelo menos, tentar pôr na rua o seu bloco, hoje à noite ou amanhã. O bloco Unidos da Contabilidade Criativa. O nome não é nada momístico, mas o conteúdo seria altamente carnavalesco. Pois é um verdadeiro carnaval o que vem sendo feito com as contas públicas, e não é de hoje. Alegadamente, são truques para cumprir as metas das políticas fiscal e monetária - no papel, porque no mundo real só saberemos se deram certo quando, e se, as metas forem cumpridas. E se não forem, qual o problema? Também não sabemos, mas o governo encontrará boas justificativas.

O ministro Mantega não leva jeito de mestre de bateria, mas sabe tocar um apito para que o bloco não saia da linha. E, reconheçamos, tem criatividade. A última é de cabo de esquadra, diriam nossos avôs. Pelo que deu para entender, no noticiário da imprensa, o lance, ou a nova surpresa do enredo, seria fazer com que figurasse nas contas públicas, como investimento, o valor da desoneração fiscal que foi feita para que a indústrias e recuperasse e a economia ganhasse fôlego. Não aconteceu nem uma coisa nem outra. O que aconteceu foi uma boa queda de arrecadação, que já vinha sendo prejudicada pela lentidão da carruagem econômica.

Ora, desoneração fiscal (ou imposto menor, como o IPI dos carros) pode dar mais impulso à economia, mas não assim, de supetâo, na hora. Como, ao mesmo tempo, o gasto de custeio aumentava, o resultado foi um superávit primário (menos receita com mais despesa) também menor. Porém, o governo tem metas para o superávit - meta em valor absoluto e meta em porcentagem do PIB. Então, de duas uma: ou modificava essas metas, gerando desconfiança sobre os rumos da política econômica, ou, agora, dá um jeito de diminuir o total de despesa, para preservar as metas de superávit.

Mas, como não quer cortar gastos, e tinha conseguido convencer a comunidade financeira nacional e internacional de que os investimentos, principalmente os do PAC, podem ser deduzidos das despesas - pois produzem riqueza e vão aumentar a arrecadação de impostos num futuro qualquer -, a ordem, então, é contabilizar como investimento 20% do total da desoneração fiscal. Desse modo a despesa fica menor no papel. E a receita, mesmo tendo sido menor, gera um superávit primário maior, mais próximo da meta ou em cima da meta. Mas, como isso não bastava para fechar as contas, foi imaginado mais um truque: reduzir cerca de 45% dos investimentos reais programados. Então, coloca-se como investimento algo que não é investimento, mas falta de receita; e corta-se de fato o verdadeiro investimento.

Onde está a lógica disso tudo é difícil de perceber. É possível argumentar que a diminuição do recolhimento de impostos dos carros, da linha branca, de móveis, do preço da energia elétrica e da gasolina - tudo isso, somado, dinamiza a atividade econômica: aumenta as vendas, os empregos, os salários, o consumo, etc. Portanto, num segundo momento, haveria aumento de arrecadação. Em suma: a desoneração fiscal acabaria cumprindo um pouco o papel que seria do investimento propriamente dito. O que justificaria que parte da queda de arrecadação seja considerada como investimento.

Não deixa de ser um truque interessante na sua concepção. O problema é que as coisas não "casam", como diria um banqueiro assediado por empresário que lhe pedisse um empréstimo, sem garantia nenhuma, confiando em que o aumento da produção permitiria pagar o empréstimo. E uma boa hipótese. Mas o banqueiro preferiria, em lugar da hipótese, alguma garantia firme real, que lhe assegurasse o ressarcimento do empréstimo.

Mas e o corte de investimento real na infraestrutura? Só para completar o que falta de superávit primário para pagar juros?

O governo, no entanto, não precisa dar garantias de que com isso as metas serão cumpridas e as contas fiscais estarão equilibradas. Basta dizer que essa é a sua teoria. O mercado, as empresas, os bancos, as pessoas não têm como discutir e não terão como obrigá-lo a fazer a coisa certa, que seria cortar o gasto de custeio para elevar o superávit primário e, com ele, pagar maior parcela dos juros da dívida - sem precisar rolá-la com emissão de papéis que vão aumentá-la porque pagam juros maiores do que aqueles que o governo recebe pela aplicação das suas reservas e excedentes.

Há tempos o governo vem vivendo de truques como esses nas contas. Alguns bem visíveis, outros difíceis de perceber. O resultado de um deles ficou exposto na semana passada: o tremendo tombo no lucro da Petrobrás. Efeito do truque de tentar conter a inflação segurando o preço dos combustíveis nas bombas.

Não há espaço para falar de vários deles. Mas vem vindo mais um aí: o das desonerações tributárias para recuperar o interesse da indústria e dos consumidores pelo etanol. Enquanto isso, a inflação bate recordes mês a mês, como acabou de acontecer em janeiro. É que inflação não se combate com truques, mas com política monetária (de juros) preventiva e com política fiscal equilibrada, no presente, e confiável, no futuro.

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