Dos comentários lamentáveis sobre a tragédia de Santa Maria à contundência e às críticas de ‘Os miseráveis’
Não aguento mais a estupidez e a ignorância dos fundamentalistas religiosos — de qualquer credo. Sou de um tempo em que religião era questão de foro íntimo: quem tinha tinha, mas não ficava exibindo em público, como medalha por bom comportamento.
Não suporto mais ler caixas de comentários que, por qualquer motivo, viram latrinas imundas, cheias de brados louvaminheiros e palavras de acusação, transbordando um orgulho podre. Sim, porque é disso, afinal, que se trata: todos os que brandem a religião como se fosse a bandeira de um time se julgam superiores aos demais.
Tenho horror dos que, em nome do “amor” entre aspas, semeiam o ódio mais visceral; me repugnam os que falam em nome de Deus — qualquer que seja ele — como se fossem seus legítimos porta-vozes.
As notícias na internet sobre a tragédia de Santa Maria estão cheias de comentários absurdos, que condenam os jovens por se divertirem e lhes negam o Reino dos Céus.
Que pessoas horrendas são essas que têm coragem de culpar as vítimas?!
Que talibãs cristãos, que escória, que sarandalha desprezível.
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Pronto. Agora que desabafei, podemos ir em frente.
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Quando cheguei do cinema, corri para o computador e escrevi isso:
“‘Os miseráveis’ não é só o melhor musical que jamais vi nas telas; é o melhor filme que vejo em muito, muito tempo. Tudo perfeito. Cenários fantásticos, direção impecável, atores maravilhosos — sendo que Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen roubam todas as cenas em que aparecem. Preciso que entre logo em cartaz para ver de novo.”
Hoje, depois de uma noite, um dia e entrando por outra noite, eu mudaria um pouco o texto. Não afirmaria tão categoricamente que “Os miseráveis” é “o melhor musical que jamais vi nas telas” porque, afinal, assisti a filmes deliciosos, como “My Fair Lady” e “A noviça rebelde”. Diria, em vez disso, “um dos melhores musicais que jamais vi nas telas”. Mas é que eu estava sob o impacto do filme. Ainda estou.
Não fui a única. Claudio Botelho — sim, ele mesmo, o dos musicais — também correu para o Facebook:
“O filme ‘Os miseráveis’ é o musical mais espetacular e emocionante que apareceu no cinema desde sei lá quando... Não tem tamanho o sentimento que o filme desperta. Acabo de sair do cinema e não sei quando vou superar. Superar pra quê, né?”
Estávamos na mesma sessão, mas não nos vimos. Ainda bem. Caso contrário, corríamos o risco de ainda estar lá de pé, no estacionamento, conversando arrebatados sobre o que assistimos. “Os miseráveis” é esse tipo de filme. Ou eu achava que era, até acordar na terça-feira e ir para a internet, para ler a seu respeito.
Os críticos da revista “The New Yorker”, que eu tanto amo — e quase todos os críticos de cinema das outras grandes publicações norte-americanas — esquartejaram “Os miseráveis”. Tudo aquilo que tinha me dado tanto prazer não valia nada, era raso, ruim, equivocado. Onde eu vi beleza e emoção, eles viram cafonice e sentimentalismo barato.
Foi uma acachapante lição de humildade. A mensagem das críticas era muito clara: só pessoas manipuláveis e destituídas de senso estético gostavam daquela bobagem tonitruante. Baixei as orelhas. Meu amor-próprio teria ficado seriamente ferido se, logo depois, eu não tivesse lido a crítica inglesa, que nunca viu nada semelhante.
Ufa.
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“Os miseráveis” é o primeiro grande musical a ser filmado com som direto. Isso significa que, em cada cena que se vê, cada canção que se escuta foi gravada ao vivo. Zero dublagem. Não dá para superestimar o valor que a decisão do diretor Tom Hooper trouxe para o resultado final em termos emotivos. Quem é de chorar em cinema vai chorar muito com a intensidade dos sentimentos desencapados, à flor da pele.
Anne Hathaway, candidata ao Oscar por sua atuação, aparece pouco, mas em compensação canta a música mais conhecida, “I dreamed a dream”, que mesmo quem nunca assistiu ao musical já ouviu. Está absolutamente perfeita. Já Hugh Jackman, igualmente brilhante como Jean Valjean, quase não sai de cena: o papel é de tal intensidade que a MSN Movies sugeriu que ele ganhasse um Prêmio Nobel pelo trabalho. Eu apoio. Gostei muito de Daniel Day-Lewis em “Lincoln”, mas se o Oscar fosse atribuído por voto direto, Jackman seria o meu candidato.
Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen estão ótimos como os Thénardier, a dupla cômica da história; a Eponine da inglesinha Samantha Barks, que aos 22 anos já tem uma sólida experiência de palco, é encantadora. Chega a ser injustiça destacar esse ou aquele ator num elenco tão (literalmente!) afinado. Até Russell Crowe, que não está bom, está bom. Ele faz Javert, o policial obcecado com Jean Valjean.
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Com “I dreamed a dream” na cabeça, acabei me lembrando de Susan Boyle, que ganhou o “Britain’s got talent” de 2009. Que fim teria levado? A rede informa que ela vai muito bem, obrigado. Lançou seu quinto CD em novembro, cantou para a Rainha no Jubileu e, embora tenha hoje uma fortuna estimada em US$ 33 milhões, continua andando de ônibus e de sapato sem salto, morando na casa onde sempre viveu e fazendo compras em lojas onde tudo custa uma libra: figura.
Um comentário:
Fantástico esse artigo da Cora!
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