quinta-feira, fevereiro 14, 2013

O Brasil e os rumos de Obama - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 14/02

Os dois mercados mais ricos e mais poderosos do mundo, Estados Unidos e União Européia, vão negociar um acordo de comércio e investimento, anunciou o presidente Barack Obama em seu discurso de terça-feira sobre o Estado da União. O acordo, possivelmente mais complexo e mais ambicioso que qualquer outro assinado até hoje, poderá ser concluído em dois anos, segundo afirmou no dia seguinte o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso. O presidente americano anunciou também a intenção de completar em breve a formação da Parceria Transpacífico, um empreendimento com participação de Chile, Peru, Austrália, Brunei, Cingapura, Malásia, Nova Zelândia e Vietnã. Essas duas informações deveriam ser suficientes para atrair a atenção das autoridades brasileiras e fazê-las refletir seriamente, para variar, sobre a rápida mudança na configuração do mercado global.

A Rodada Doha fracassou, mas acordos bilaterais e regionais vêm-se multiplicando e criando condições especiais de cooperação entre as maiores e as mais dinâmicas economias do mundo. O pacto de livre comércio entre Estados Unidos e Coréia do Sul - apenas para lembrar um exemplo significativo - entrou em vigor em março do ano passado. O Brasil está fora de todos os jogos mais importantes, limitado a uns poucos acordos do tipo Sul-Sul e nem sempre com parceiros dos mais dinâmicos.

O presidente Obama citou os acordos comerciais como itens de uma ampla política de criação de empregos e de sustentação do crescimento econômico nos próximos anos. A maior pane do pronunciamento passou longe da América Latina. A omissão parecerá menos estranha, talvez, se dois detalhes forem lembrados. Em primeiro lugar, os Estados Unidos já negociaram acordos comerciais com o México, boa parte da América Central e do Caribe e também com Chile, Colômbia e Peru, três das economias sul-americanas mais empenhadas na abertura de novos canais de comércio. Em segundo lugar, a busca de outras parcerias seria politicamente mais complicada, depois de torpedeado o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) pelos governos brasileiro e argentino, em 2003-2004.

Os Estados Unidos, apesar dos erros cometidos pela diplomacia petista, continuam sendo um destino importante para as exportações brasileiras, especialmente de manufaturados. Mas o Brasil perdeu oportunidades consideráveis, ao rejeitar, com o projeto da Alca, possibilidades de acesso preferencial. Parte importante do mercado americano foi ocupada por produtores da China e de outros países emergentes. O acordo dos Estados Unidos com a Coreia deve envolver, também, um custo significativo para a indústria brasileira. E o Brasil poderá continuar perdendo o bonde, porque a recuperação americana deverá produzir novas mudanças nas condições de competição.

O discurso do presidente foi muito além das questões imediatas, como o ajuste orçamentário. Além de medidas para sustentar a criação de empregos e a reativação da economia, ele apresentou um amplo receituário para o médio e o longo prazos. Falou sobre novas fontes energéticas, a relação entre energia e meio ambiente, o investimento em pesquisa, a formação de mão de obra e a atração de investimentos.

"Nossa primeira prioridade", disse Obama, "deve ser a transformação da América em um ímã para novos empregos e manufaturas." Atividades produtivas deslocadas para o exterior em busca de custos menores já começam a retornar, disse Obama, e é preciso intensificar esse processo. Mas não se trata apenas, como deixou claro, de recuperar indústrias, e sim de estabelecer novas condições de competitividade e dinamismo. Algumas das medidas dependerão do Congresso, outras, apenas da iniciativa do Executivo. Tudo isso deve ser feito juntamente com reformas indispensáveis e complicadas, como a do sistema de saúde, mas as fórmulas estão sendo criadas. Enquanto o governo brasileiro derrapa na formulação e na aplicação de políticas para recuperação do atraso, outras economias, a começar pela maior do mundo, se preparam para novos saltos. Seria bom se a presidente Dilma Rousseff prestasse atenção nessa evolução.

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