FOLHA DE SP - 30/01
SÃO PAULO - Eu concordo com quase tudo o que o Drauzio Varella diz. Quase. A defesa apaixonada que ele fez da internação involuntária para dependentes de droga talvez se justifique como discurso de um pai desesperado ou de um médico aflito por não ter como ajudar o paciente, mas deixa de levar em conta alguns elementos importantes.
No afã de tomar uma atitude, Drauzio passa como um trator por cima de dúvidas pertinentes como a eficácia do tratamento compulsório -que tende a ser ainda menor do que as já modestas taxas de sucesso das internações voluntárias- e a carência de vagas no sistema.
Raciocinando por hipótese, já que não existem dados confiáveis, se a chance de livrar-se da dependência é mínima e o tratamento é física e psicologicamente penoso, não podemos nem mesmo afirmar que a recusa é uma decisão irracional. Se vale a analogia com o câncer, quando o prognóstico da doença é muito ruim, alguns pacientes optam, talvez sabiamente, por evitar os efeitos adversos de uma quimioterapia.
E será que faz sentido usar uma vaga com alguém que não a deseja quando existem muitos dependentes menos graves que buscam desesperadamente um lugar para internação e não o conseguem? Qual a política pública mais correta?
Não chego a afirmar que a internação à revelia seja sempre indesejável, mas me parece claro que não pode ser usada como panaceia. Não dá para sair jogando as pessoas em hospitais e clínicas e depois corrigir os exageros, como quer o Drauzio.
A humanidade levou sete milênios para desenvolver mecanismos legais que protegem o cidadão do arbítrio do Estado. A lei nº 10.216, que prevê a internação involuntária, põe esse esforço por água abaixo ao permitir que uma pessoa seja privada de sua liberdade por tempo indefinido sem direito a defensor ou mesmo juiz. Precisamos, no mínimo, reescrever essa monstruosidade jurídica.
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