Depois de vir à praça com um diagnóstico escancaradamente oposto ao das autoridades do Ministério da Fazenda - de que o problema da economia não é de consumo, mas de oferta -, o Banco Central contraria, na prática, outro discurso também recorrente dos homens da Fazenda.
Ao deixar que as cotações do dólar recuem para abaixo dos R$ 2 (veja gráfico), o Banco Central desconhece o ponto de vista oficial de que há uma mudança estrutural em marcha que tem como uma de suas pilastras a desvalorização cambial (alta do dólar).
Os 20% de desvalorização induzidos pelo Banco Central a partir de março de 2012 já vinham sendo carcomidos pela alta de preços. O Banco Central começa a permitir movimento oposto (o de valorização do real), aparentemente como único instrumento que lhe resta para coibir a inflação - já que não há hipótese de volta à alta dos juros.
O Banco Central havia concordado em reduzir os juros básicos em 5,25 pontos porcentuais, para os atuais 7,25% ao ano, e em desvalorizar o real para a altura dos R$ 2,10 por dólar, desde que a área da Fazenda garantisse o superávit primário (sobra de receita para pagamento da dívida) da ordem de 3,1% do PIB. Mas o Banco Central foi traído pela Fazenda, sobretudo pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, que furou o acordo. Depois de permitir que a disparada das despesas públicas provocasse a erosão das condições fiscais, Augustin montou ampla operação de contabilidade criativa que tentou esconder os estouros do Orçamento.
Na Ata do Copom editada na quinta-feira, o Banco Central já avisara que a dobradinha de insucesso (sequência de pibinhos com aceleração da inflação) se baseava no diagnóstico errado de que o problema é falta de demanda. Não é, deixou claro o Banco Central. É de oferta, cuja reversão cabe a outras áreas do governo.
Quanto ao Banco Central, sobra-lhe a tarefa de combater a inflação com o instrumento disponível. Mas o câmbio não é a melhor opção para isso. A baixa do dólar só gera efeito deflacionário num pedaço limitado da demanda - o dos importados. Não alcança os segmentos da cesta de consumo mais atacados no momento, como o dos produtos hortigranjeiros e o dos serviços. E, no curto prazo, não baixa em reais os custos hoje em expansão da mão de obra. Mas, nas circunstâncias, manejar o câmbio é o que dá para fazer para impedir que a inflação salte para acima do teto da meta, de 6,5% ao ano.
A aceitação do novo diagnóstico exige mais do que esta guinada na política cambial. Requer mudanças em toda a política econômica - mesmo que o Banco Central não volte a subir os juros. Torna-se necessário, por exemplo, dar prioridade ao investimento (e à poupança) e não ao consumo; não esticar o crédito - como o governo pretendia; garantir mais austeridade das contas públicas - e não reduzir o superávit primário, como o secretário Augustin vinha pedindo; e garantir, de outra forma, a competitividade da indústria, que não pode ser mais dada pelo câmbio.
A nova política de permitir a baixa do dólar esvazia o discurso da necessidade de operar o câmbio em reação ao "tsunami monetário", identificado pela presidente Dilma Rousseff, e à "guerra cambial", denunciada pelo ministro Mantega.
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