O Estado de S.Paulo - 24/01
Daqui a dez dias o Parlamento brasileiro terá novos presidentes, sem que essa troca de comando tenha o menor significado para os brasileiros ali representados.
O Congresso se denomina o Poder "mais aberto da República" e, em tese, é mesmo. A prática, porém, suscita uma inevitável dúvida: aberto para quem o para o quê?
A julgar pelo conjunto da obra e observando particularmente o que se diz e o que se faz nesses dias de, digamos, "campanha eleitoral", os espíritos por ali só andam abertos aos interesses internos.
Apenas candidatos em princípio sem chance de vitória e as fracas e dispersas vozes que não se aliam à apatia geral falam sobre a necessidade de o Parlamento buscar o caminho da recuperação da dignidade e das prerrogativas institucionais que conferiu a si ao elaborar a Constituição de 1988.
O buraco é tão profundo que nem esses encontram fôlego e espaço para debater temas específicos da agenda congressual. Ficam no protesto, aparente e compreensivelmente cansados de uma guerra até agora perdida.
O restante - aí incluídos os citados como favoritos para as presidências da Câmara (Henrique Alves) e do Senado (Renan Calheiros) e a maioria das bancadas partidárias - só trata das paróquias e dos arranjos corporativos. Servem-se das Casas quando o esperado seria que servissem ao Parlamento, síntese da democracia representativa.
Para Calheiros e Alves o que interessa mesmo é fazer dos cargos instrumentos de preservação de poder nos respectivos Estados de Alagoas e Rio Grande do Norte.
Duas notícias nesta semana - uma publicada na Folha de S.Paulo, outra no Estado - mostram bem isso. O alagoano se vale da influência na Caixa Econômica Federal para carrear recursos para habitações populares em municípios sob seu comando político e, de quebra, alimenta o faturamento de empreiteira cujo dono é sócio do filho do senador.
O potiguar reúne prefeitos de seu Estado para convocá-los à posse já dada como certa na presidência da Câmara. Falando dos entraves burocráticos e da má vontade do governo federal em atender prefeitos, garante que, "de braço dado" com ele, terão os caminhos desimpedidos.
No mais, tratam de negociar com os partidos os assentos nas Mesas Diretoras e postos em comissões. A discussão do momento é de alta relevância: a disputa entre PSDB e PSD pela 1ª-secretaria, responsável pela gerência do Orçamento da Câmara. Uma bolada de R$ 4,9 bilhões, na previsão para 2013.
De retornos. Guardadas as peculiaridades das situações, a eleição de Renan Calheiros para a presidência do Senado equipara-se a uma eventual vitória de Fernando Collor para a Presidência da República.
Têm o direito de pleitear, mas aos eleitores cabe pesar e medir sobre a conveniência de suas escolhas.
De fachada. A neutralidade do governador Eduardo Campos na eleição para a presidência da Câmara na qual se inclui um candidato do PSB assemelha-se à imparcialidade da presidente Dilma Rousseff em relação ao mesmo tema.
No oficial, ambos mantêm distância, mas atuam no paralelo. O Planalto para assegurar o controle da "base" a fim de manter o Legislativo sob a jurisdição do Executivo; Campos para firmar autonomia de seu partido sem ferir a aliança com o governo.
Se quisessem ficar mesmo distantes e o processo obedecesse apenas à dinâmica das bancadas partidárias, não tomariam conhecimento do assunto, Michel Temer não estaria preocupado em obter para o PMDB a bênção de Dilma nem Eduardo Campos não teria deixado o time entrar em campo.
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