A única forma de entender um político é observá-lo de perto. Contar gestos e pausas e, mais importante, desconsiderar as frases. Principalmente aquelas repetidas à exaustão. Um perfil jornalístico tem mais chances de revelar uma personalidade do que uma entrevista. Nada mais próximo da realidade do que uma apuração a partir da várias fontes, incluindo o próprio faro do repórter. Assim, perguntas a um personagem público sobre o futuro trazem quase sempre respostas enigmáticas ou evasivas. Ao longo dos últimos 24 meses, tal obscuridade tem servido de mote a Dilma Rousseff. E continuará servindo por mais 12 meses. Não só a ela, é verdade, mas também a Luiz Inácio Lula da Silva, Aécio Neves e Eduardo Campos. Por ora, entretanto, fiquemos com Dilma e a última declaração da petista, dada durante um café da manhã oferecido a quase 30 jornalistas, em 27 de dezembro, no Palácio do Planalto.
Até é possível entender os motivos para o mistério do anúncio, mas a resposta da escolha será sempre uma: Dilma vai para a corrida ser for a melhor avaliada no momento do anúncio. Caso contrário, o PT fica com Lula ou qualquer outro mais bem posicionado. É simples assim. Por isso, as declarações neste momento são cautelosas e quase impenetráveis. Uma das melhores respostas sobre o desejo e possibilidade de se lançar a uma disputa foi dada pelo norte-americano Al Gore, alguns meses depois da derrota para o republicano George W. Bush, ocorrida em dezembro de 2000. E está num trecho do perfil feito por David Remnick, editor da revista The New Yorker, referência em cuidado na apuração e excelência de texto jornalístico. No momento da publicação, havia uma certa torcida para que Gore tentasse uma revanche contra Bush, afinal, a vitória escapou das mãos do democrata por pouco.
Apesar do entusiasmo com a disputa, a pergunta estava lá. E a resposta era clara, até onde poderia ser clara naquele momento, tão distante de uma nova disputa com Bush: “Basicamente, eu não espero ser candidato de novo”, começou a declaração, republicada no livro Dentro da floresta (Companhia das Letras, 576 págs., R$ 68), de autoria de Remnick. “A segunda parte da resposta é que eu ainda não descartei essa possibilidade por completo. E o terceiro qualificador é que não estou afirmando a segunda parte como forma de sinalizar acanhamento. É apenas para completar uma resposta honesta à pergunta e de maneira alguma muda a parte principal da resposta, que é: eu realmente não espero voltar a ser candidato. Se tivesse alguma expectativa de ser candidato de novo, eu provavelmente não me sentiria tão livre quanto me sinto para falar o que quero nas palestras. E eu gosto disso.”
A sombra
Gore não fugiu à pergunta. Era simplesmente impossível respondê-la. Sem a sombra de Lula, tal questão não seria dirigida a Dilma, afinal, nada mais natural do que um político em pleno primeiro mandato disputar a reeleição. Mas como a política no Brasil sempre é mais difícil de explicar, lá estão todos os analistas e jornalistas a apostarem fichas e amolarem a presidente, que, na entrevista de fim de ano, tentou explicar o inexplicável: “Agora, tenho de falar com sinceridade. Eu não falo sobre sucessão no meio do meu governo. Por quê? Porque se eu falasse, eu estaria antecipando 2014. E eu pretendo governar de hoje até 31 de dezembro de 2014 com o absoluto empenho, como se fosse sempre o início e com aquela força que você tem e que você sempre tem de ter no início da semana, de manhã cedo, com todo o empenho que aquela primeira entrada que a gente inicia um governo.”
Enquanto Gore usa a expressão “resposta honesta”, Dilma fala “com sinceridade”. De certa forma, dizem a verdade. No caso do norte-americano, era evidente, naquele momento, o entusiasmo nas palestras sobre aquecimento global, que começavam quase sempre com um “Oi, meu nome é Al Gore. Eu costumava ser o próximo presidente dos EUA”. O trabalho rendeu um filme, que ganhou o Oscar de documentário em 2007, e deu a Gore e ao Painel Intergovernamental para Alterações Climáticas da ONU o Nobel da Paz. Nada mal, pois. Dilma, por sua vez, dedica-se ao mandato, algo inquestionável até mesmo para o mais ferrenho adversário. É razoável que ela afirme querer governar até 2014 com todo empenho possível. Não é possível, entretanto, acreditar na possibilidade de que Dilma não pense na reeleição. Aliás, ela não disse isso. Afirmou que não falaria sobre sucessão. Mas que pensa, pensa.
Assim, as declarações de Dilma, Gore ou qualquer outro pré-candidato a presidente serão sempre vazias antes do anúncio oficial e do início da campanha. Resta observar os gestos e as pausas. Dilma está com o maior jeitão de que será candidata à reeleição. E apenas estará fora se estiver mal nas pesquisas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário