O GLOBO - 17/01
Casa Rosada vende ao povo imagem distorcida do que acontece no país. Maquiagem faz com que índice oficial de inflação seja menos da metade do real
O governo Cristina Kirchner criou uma realidade paralela para demonstrar que as coisas vão bem, mesmo quando a verdade demonstra o contrário. O melhor exemplo é o índice de inflação, que tem ficado sempre abaixo da alta real dos preços desde 2007, quando o então presidente Néstor Kirchner ordenou a intervenção no Indec (o IBGE argentino). O último dado do Indec foi o Índice de Preços ao Consumidor em 2012: 10,8%. Abaixo da metade da inflação calculada por consultorias privadas — 25,6% —, o que coloca a Argentina à frente até da Venezuela (22%). Temos, então, o índice oficial e o verdadeiro, este denominado “IPC do Congresso”, pois os consultores privados passaram a divulgá-lo via deputados de oposição depois que a Casa Rosada entrou na Justiça para proibi-los de calcular a inflação, algo digno de uma República de Bananas.
O governo garante que o país vem conseguindo financiar o setor público. Na realidade, como se tornou um pária do sistema financeiro internacional depois da moratória de 2001, é obrigado a emitir furiosamente. No ano passado, a emissão de pesos cresceu 38% sobre 2011, pressionando a inflação.
Para sustentar a fantasia, o kirchnerismo, cada vez mais parecido com o chavismo, patrocina uma vasta rede de comunicação cuja programação e noticiário vão no sentido desejado pela Casa Rosada (além da grande rede estatal). Isto é conseguido, entre outras formas, pela manipulação das verbas oficiais de publicidade. No mundo real, o governo empreende intensa perseguição aos veículos que atuam de maneira profissional e independente. Assim, criou o denominado 7D (7 de dezembro) para proclamar como grande “vitória nacional” a aplicação por inteiro da Lei de Meios, aprovada para “regular” os veículos de comunicação, mas sob medida contra o Grupo Clarín, alvo preferencial do kirchnerismo. O tiro saiu pela culatra, porque a Justiça argentina conseguiu refrear o ímpeto de Cristina e, mais uma vez, adiou a entrada em vigor de dispositivos leoninos da lei até que seja julgado o mérito do caso. A ameaça contra os meios independentes, portanto, continua.
O governo celebrou a volta da fragata Libertad a Buenos Aires como outra “vitória nacional”. Na verdade, o país passou por um grande vexame depois que o navio foi arrestado, em Gana, por um fundo credor da Argentina. Escaldada, Cristina começou a evitar viagens internacionais no avião oficial Tango1 e passou a alugar jatos executivos para os deslocamentos. Inexplicavelmente, contratou a mesma empresa britânica que presta serviços a Londres nas Malvinas (no caso, Falklands). Descumpre, assim, decreto dela própria que proíbe o governo argentino de ter relações comerciais com firmas estrangeiras (leia-se britânicas) envolvidas, de alguma forma, com as disputadas ilhas.
Tapar o sol com a peneira é um rumo perigoso para qualquer governo. Mais cedo ou mais tarde, a realidade se impõe. A consequência são, no mínimo, eleitores furiosos.
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