FOLHA DE SP - 17/01
Por que não normalizar a divulgação do resultado fiscal e acabar com a meta de superavit primário?
Não chega a surpreender o frisson em torno de operações contábeis que garantiram o cumprimento, em 2012, da meta legal de superavit primário de 3,1% do PIB. Numa democracia, o governo costuma ser criticado sempre -seja quando faz algo ou quando faz o seu contrário.
No caso do superavit, a principal crítica é que, para cumprir a meta, foram usados R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano.
Quem ataca a operação entende que a economia de recursos que o governo fez no ano passado para pagar os juros da dívida pública não corresponde, na prática, à meta de 3,1% do PIB. Tal falta de rigor oficial poderia criar uma crise de confiança quanto aos fundamentos da economia (situação fiscal, inflação etc.), desestimulando o investimento e, assim, limitando as perspectivas de crescimento econômico.
Quem defende lembra que todas as operações que garantiram a meta foram legais e que o uso do Fundo Soberano é legítimo, pois seus recursos são acumulados quando há crescimento vigoroso para serem usados em épocas menos favoráveis.
Mais importante, a situação fiscal é sólida. A relação entre a dívida interna do setor público e o PIB foi de 36,4% no fim de 2011 para 35% em novembro de 2012. A relação dívida/PIB é baixa e cadente. Ademais, a queda da taxa de juros anual básica de 12,50% para 7,25% desde julho de 2011 é um notável esforço de ajuste fiscal não capturado pelo conceito de superavit primário.
Em geral, os países apresentam o resultado fiscal incluindo o pagamento dos juros, o chamado resultado nominal. No Brasil, o conceito de superavit primário -receitas menos despesas do governo, sem contar os juros- foi introduzido porque o Brasil por muito tempo teve juros demasiadamente elevados.
O superavit primário é um indicador útil quando a situação fiscal é frágil e é preciso mostrar o esforço que o governo e o país fazem para economizar recursos visando a honrar as despesas com os juros altos.
Porém, os credores da dívida pública brasileira não temem mais que ela deixe de ser paga. Por exemplo, no início deste século, o risco-país do Brasil -o deságio exigido para comprar um título da nação, que mostra a confiança do mercado internacional de que a dívida será honrada- foi a quase 2.500 pontos (25% de deságio) e estava diariamente nos jornais. Hoje, por volta de 150 pontos, quem se lembra dele?
Em 2012, o resultado nominal deve ser um deficit de cerca de 3% do PIB, baixo para padrões internacionais, ainda que tenha havido um aumento em relação aos 2,6% de 2011. Assim, por que não normalizar a divulgação do resultado fiscal brasileiro e acabar com a meta de superavit fiscal primário?
Com isso, quem acredita que a política fiscal precisa ser apertada poderá mostrar mais diretamente que o deficit nominal subiu em 2012. Também seria mais fácil advogar a tese do deficit nominal zero, com as supostas implicações virtuosas que sua concretização teria, decorrentes do choque positivo de expectativas.
Do outro lado, a política fiscal seria mais livre para se adaptar ao cenário econômico. Por exemplo, se o crescimento está fraco e a conjuntura externa é de estagnação, é o caso de elevar o gasto público para impulsionar a demanda doméstica. Havendo uma meta de superavit primário, tal estratégia é prejudicada. O governo, em particular, teria o bônus de ser dispensado de explicar o que não precisa ser explicado.
Em geral, a discussão fiscal é repetitiva e principista. Esse não é um problema só do Brasil, como mostra o imbróglio do "abismo fiscal" nos EUA, fruto de uma regra legal sem sentido. O fim da meta de superavit ao menos tornaria o debate mais claro, ainda que ao governo seja em certa medida inconveniente.
Afinal, é prudente mostrar comprometimento com o que é de modo geral tido como bem-sucedido. Além de significar uma saudável parcimônia em relação a suas convicções diante das possibilidades limitadas do conhecimento econômico, vale o teorema de William Isaac Thomas: "Se as pessoas definem uma circunstância como real, então elas serão reais em suas consequências".
Render homenagem às ideias convencionais de "responsabilidade fiscal", expressas nesse caso na meta de superavit primário, pode ser útil, como foi na eleição de Lula em 2002. Contudo, dez anos e muitas mudanças econômicas depois, isso talvez não valha mais a pena.
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