FOLHA DE SP - 19/12
Secretário de Política Econômica consegue rara proeza: errar tanto na teoria quanto na prática
Das desculpas para o crescimento lamentável deste ano, poucas soam tão esfarrapadas quanto as oferecidas pelo secretário de Política Econômica em entrevista ao "Valor Econômico" nesta semana.
Segundo ele, a queda do investimento, fator principal do triste desempenho do PIB, resultou da redução da taxa de juros e da desvalorização da taxa de câmbio.
É um argumento curioso, principalmente vindo de quem sempre defendeu o oposto, a saber, que tais medidas levariam à aceleração do crescimento.
Na verdade, a justificativa do secretário refere-se ao que ele chama de efeitos de "curto prazo" dessas medidas.
De acordo com ela, os agentes carregavam papéis de curto prazo, que perderiam valor com a redução das taxas de juros (o chamado "efeito riqueza"), além de terem dívidas em moeda estrangeira, cujo valor em moeda local se eleva com o enfraquecimento do câmbio.
A piora do balanço das empresas, por conta disso, seria a responsável pela queda dos investimentos.
Com essa afirmação, o secretário consegue rara proeza: errar tanto na teoria quanto na prática.
Em primeiro lugar, ao contrário do que alega, o valor dos títulos sobe quando a taxa de juros cai.
Esse efeito é grande no caso de papéis de longo prazo (prefixados e indexados à inflação) e modesto no caso dos mais curtos (indexados à taxa Selic), mas não é negativo em nenhuma alternativa.
Isso dito, os prefixados (e indexados à inflação) representaram pouco mais de 57% dos títulos públicos em 2012, enquanto a parcela indexada à Selic atingiu 42% do total.
Em 2009, porém, essas participações eram, respectivamente, 46% e 53% da dívida. Em outras palavras, se o argumento do secretário fosse válido, a queda da taxa de juros teria sido menos efetiva em 2009 (quando a parcela de títulos longos era menor) do que em 2012, mas o que se observa é precisamente o oposto: a economia respondeu melhor à redução dos juros naquele momento do que agora.
A segunda parte da justificativa refere-se ao efeito da depreciação do real, que teria elevado o valor da dívida externa das empresas em moeda nacional, com efeitos negativos sobre seu balanço.
Isso é, obviamente, verdadeiro, mas omite que as receitas de exportações do setor privado em moeda local também aumentam na mesma proporção.
No caso, as empresas nacionais deviam em outubro US$ 248 bilhões e haviam exportado US$ 246 bilhões nos 12 meses até aquele momento (sem contar US$ 40 bilhões em exportações de serviços).
Falta explicar, portanto, por que as empresas reagiriam tão mal a uma medida cujo impacto positivo sobre suas receitas é praticamente idêntico (senão maior) ao efeito negativo sobre a sua dívida...
A maior omissão, porém, não é sequer essa. Questionado se a desvalorização da moeda não teria encarecido os bens de capital, o secretário afirmou que "[a] taxa de câmbio (...) foi corrigida para um nível que não afeta o custo de importação dessas máquinas".
Bastam, porém, cinco minutos com os dados da Funcex em mãos para constatar mais uma afirmativa sem qualquer parentesco com a realidade.
Desde o terceiro trimestre de 2011 os preços em dólares dos bens de capital importados recuaram 1%, mas a depreciação da moeda, 24% no período, implicou uma elevação de 23% no preço em reais desses bens (19% descontada a inflação).
Essa não é, provavelmente, a única causa da queda do investimento, mas é difícil comprar a ideia de que um aumento dessa magnitude no preço dos bens de capital não representa um impacto negativo na decisão de investir, ainda mais sabendo que o secretário não tinha feito a conta ao responder a pergunta.
A entrevista, enfim, só confirma o argumento que tenho apresentado neste espaço: o diagnóstico da equipe econômica acerca da estagnação econômica está equivocado, não só por falta de uma base teórica mais sólida, mas principalmente pela obstinação em ignorar aquilo que os dados insistem em proclamar.
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