quinta-feira, dezembro 27, 2012
Burocratas, carrascos da inovação - ALEXANDRE BARROS
O Estado de S.Paulo - 27/12
O governo quer inovação, mas encarrega burocratas desse mister. Inovação não é mais uma excentricidade, é um negócio complexo, que exige agregação de cérebros. O Vale do Silício e a área de Boston, nos EUA, são grandes centros de inovação porque muitas mentes juntas se fertilizam mutuamente. Não é soma, é multiplicação.
Por que as pessoas inovam? Para resolver um problema delas ou para ganhar dinheiro, ou ambos. Nisso o sistema de registro de patentes e proteção de propriedade intelectual brasileiro está ultrapassado.
Currículos de escolas brasileiras tentam ensinar muitas matérias, quase todas irrelevantes para as escolhas que os estudantes já fizeram da estrada que vão seguir. Educação universal pode ser elegante, mas é improdutiva.
O carro mais inovador da atualidade, o Tesla (homenagem ao gênio da eletricidade) não está sendo desenvolvido em Detroit porque os cérebros dessa cidade americana só sabem fazer mudanças incrementais nos carros existentes. Foi criado no Vale do Silício. Elon Musk e seus cientistas pensaram "do zero" num carro completamente novo: sem caixa de mudanças, sem eixo de transmissão e totalmente elétrico. Lá isso foi possível porque as cabeças estavam abertas para criar coisas novas.
As primeiras ideias de carros sem motorista eram de que eles funcionassem em estradas, não em ruas urbanas. Mas isso demandava enorme despesa em infraestrutura: instalar tiras magnéticas por baixo do pavimento para "puxar" os carros na direção certa. Era incremental. Não vingou.
Os carros sem motorista hoje não fazem nada por baixo, tudo é por cima, comunicando-se com satélites e com outros carros. Tudo sem fio. Onde? No Vale do Silício, financiado pela Google, que nós conhecemos das buscas na internet.
Esses veículos já são legais no Estado de Nevada e em breve o serão na Flórida e na Califórnia. Por lei, ainda precisam de um motorista "de plantão" atrás do volante "para emergências". Como os contadores que refaziam à mão todas as contas das calculadoras eletrônicas para terem certeza que as máquinas as haviam feito certo.
Inovações enfrentam resistências. E ninguém é mais resistente que os burocratas. Os governamentais são piores, mas os privados não ficam atrás.
Um ex-diretor da IBM, pouco antes da crise que quase a levou à falência, dizia que a empresa era "uma estatal privada que deu certo". Aí... parou de dar. Chamaram um presidente "de fora". Sua tarefa: jogar no lixo o entulho burocrático que não tinha mais função (Louis V. Gerstner, Quem Disse que os Elefantes não Dançam?, Editora Campus). Mas a IBM também tinha boas ideias. Jean Paul Jacob era um "olheiro" científico. Passava a vida fuçando pesquisas que estavam sendo feitas em inúmeras universidades para identificar o que era promissor e podia virar produto lucrativo de sucesso. Se passassem no teste, os pesquisadores receberiam auxílio da IBM. Em troca, uma fatia da renda das patentes resultantes.
Aqui começam pela burocracia. O governo faz convênios para mandar estudantes brasileiros para o que chamam de "bolsas-sanduíche". É o protecionismo na produção intelectual: o aluno tem de fazer tudo do seu mestrado ou doutorado no Brasil. Depois vai passar um ano numa universidade estrangeira para "ganhar uma bênção", do tipo folheada a ouro: por fora brilha, por dentro foi educado com todos os vícios da universidade brasileira anti-inovadora.
Um ano não dá para formar a cabeça de ninguém. Como o(a) aluno(a) vai ficar só um ano, não é tratado como alguém que está sendo formado naquela instituição, e sim como quem está ali para receber uns enfeites de retoque. Esse ano custa caro e rende pouco. Além disso, muitas universidades estrangeiras enxergam esses estudantes estrangeiros "para a bênção" como uma chuva de ouro: rendem muito (nosso dinheiro paga) e não implicam nenhum compromisso. Depois sumirão no mundo e não haverá ninguém para cobrar. E como não terão um diploma dessas instituições, elas "não se queimam".
Peter Thiel, cofundador do PayPal e um dos principais financiadores do Facebook, milionário várias vezes, olha as universidades americanas com desconfiança. Criou uma fundação que financia universitários que se pretendem criativos, com menos de 20 anos de idade, para largarem a universidade e passarem dois anos desenvolvendo suas inovações sob a supervisão não de professores, mas de empresários bem-sucedidos. Thiel sabe que as universidades americanas também podem ser matadoras de talentos. Acredita no "quem sabe faz, quem não sabe ensina".
Essa é a encruzilhada. Precisamos inovar. A presidenta apela para o instinto animal dos empresários, mas encarrega de descobrir e criar talentos animais burocráticos governamentais, que do instinto animal só têm um pedaço: o da sobrevivência.
Tive um amigo nomeado ministro há muitos anos. Antes de assumir o cargo ele fez uma reunião com os burocratas seniores do ministério e convidou-me para assistir a um pedaço dela. Entrei e presenciei: em 15 minutos, 17 ideias inovadoras do ministro (não importa se sensatas ou não) foram demolidas pelos burocratas profissionais. Nada podia. Tudo contrariava alguma regra. O ministro, ainda não empossado, assumiu o cargo já destroçado. Os burocratas sabiam que ele iria embora do ministério antes de aprender o caminho para o banheiro. Os burocratas ficariam.
A campeã de Prêmios Nobel de Economia é a Universidade de Chicago. Como ela seleciona seus professores? Pelo potencial de ganhar um Prêmio Nobel, ainda que em 20 ou 30 anos.
Neste artigo não pretendi ensinar como fazer inovação, mas apenas chamar a atenção para alguns dos pontos que a impedem. Que sirvam de alerta a quem quer inovar, de verdade.
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