quinta-feira, dezembro 27, 2012

A Constituição do Egito - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 27/12


Mursi e sua Irmandade Muçulmana conseguem referendar nova Carta, não sem protestos e dúvidas pelo futuro democrático do país


Seis meses após se tornar o primeiro presidente do Egito a conquistar o poder pelas urnas, o islamita Mohamed Mursi venceu de novo ao aprovar, com pouco debate, uma Constituição redigida por seus aliados religiosos. O referendo em apoio ao texto suscitou protestos violentos e acusações de fraude, o que ampliou o cisma entre adeptos e opositores da Irmandade Muçulmana, grupo de Mursi.

Apesar de delinear-se um arcabouço legal mais conservador, não se justifica, por enquanto, o pavor da classe média egípcia, endossado pela opinião pública ocidental, de que o Egito caminha em direção à teocracia após livrar-se da ditadura secular de Hosni Mubarak.

A Constituição preocupa mais pelas suas omissões do que por seu conteúdo. Não há, por exemplo, limite claro ao poder dos militares.

Menções à preservação da ordem pública e dos "valores morais" soam como ameaça potencial às liberdades civis e individuais. A liberdade de culto só é garantida para outras "religiões divinas" (cristianismo e judaísmo), o que suscita temor em seitas menores.

O texto assevera que todos os cidadãos, homens e mulheres, são iguais perante a lei. Em matérias como casamento e herança, minorias religiosas prosseguirão sob a alçada dos respectivos cleros.

A nova Constituição promete ainda independência do Judiciário e liberdade de imprensa. Mas arbitragens em questões legais caberão à Universidade Al Azhar, epicentro intelectual do islã sunita, conhecida pela tradição moderada.

Por controversa que seja, a Constituição de Mursi reflete um novo pacto entre a maior parte dos egípcios e seus governantes. Todas as consultas nas urnas desde a queda de Mubarak, incluindo a eleição dos parlamentares que definiram a composição da Constituinte, indicam que a força política mais popular, coesa e organizada é a Irmandade Muçulmana.

O jogo democrático trouxe à tona o Egito devoto que Mubarak e seus aliados ocidentais alienaram. A oposição secular acusa os religiosos de terem confiscado a revolução, mas ela ganharia tempo e reconhecimento se considerasse a dinâmica pós-revolucionária como um processo em aberto. Só com a medição de forças, nas ruas, corre o risco de terminar isolada.

Duas razões reforçam a noção de que Mursi não implementará uma guinada extremista: a necessidade de manter a bilionária ajuda militar dos EUA e o pragmatismo imposto pela crise econômica.

A Constituição está sujeita a emendas e precisa ser regulamentada pelo próximo Parlamento. Ainda parece cedo para dar por fracassado todo o esforço de democratização do Egito.

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