O ESTADÃO - 24/12
A recente viagem da presidente Dilma Rousseff à França e à Rússia explicitou algumas das dificuldades que o governo hoje enfrenta. Tanto no terreno da diplomacia econômica quanto no da condução da política econômica.
Em seus discursos em Paris e Moscou, a presidente repetiu a atual posição brasileira nos foros internacionais. Em ritmo de "a Europa, mais uma vez, se curva diante do Brasil", criticou o "corte radical de gastos" e a opção por políticas econômicas ortodoxas, em sintonia com as reticências francesas de "meu querido" François Hollande quanto às políticas da senhora Merkel (não mencionada explicitamente).
Receitou, ainda, a "união bancária" na Europa e a ampliação das formas de atuação do Banco Central Europeu. O "grave ajuste que sofremos", nas décadas de 1980 e 1990, foi mais uma vez citado como exemplo das conseqüências funestas de políticas econômicas austeras. Já outros diriam que, ao contrário do que foi sugerido, a inflação de três dígitos combinada à estagnação iniciada em 1980 resultou de políticas econômicas imprudentes e bem longe de austeras.
O discurso-padrão presidencial parece resultar da confluência de visões de estatistas empedernidos, fantasiados de keynesianos, com a de grandes eminências pardas em busca de reabilitação curricular. A visita a Paris sugere que as relações franco-brasileiras são afetadas pelas mesmas limitações que comprometem a diplomacia do Brasil em relação a países latino-americanos com os quais o Palácio do Planalto considera haver convergência ideológica. Tal como na América Latina, salta aos olhos que o Brasil, também na Europa, está escolhendo os parceiros errados.
Já a visita à Rússia ilustra outras limitações da estratégia brasileira. Os magros resultados da visita mais uma vez frustraram expectativas despropositadas quanto à possível sintonia entre países que compõem o bloco dos Brics.
A convergência de interesses pode até ocorrer, e é importante que seja explorada, especialmente no campo político. Mas daí a esperar que a Rússia, com tradição protecionista tão arraigada quanto no Brasil, seja especialmente flexível na admissão de exportações brasileiras há distância apreciável. A resistência chinesa às propostas brasileiras de misturar tarifa com câmbio na Organização Mundial do Comércio (OMC) é outra evidência de tais dificuldades.
O que preocupa é a dificuldade que o governo tem de admitir as graves limitações de sua política econômica. Há claro risco cumulativo de deterioração de desempenho em relação a amplo leque de temas: manutenção da inflação em níveis apresentáveis; conciliação da redução de tarifas elétricas com a ameaça de racionamento; persistência do colapso gerenciai associado a investimentos na infraestrutura; para citar os mais notórios. Enquanto isso, o ministro Guido Mantega celebra pretenso sucesso na formulação de “bases para que o Brasil obtenha taxas elevadas de crescimento por muitos anos”.
Não se trata, aqui, de seguir a manada e dedicar-se à eleição meio pueril de “país da moda” que caracteriza muitos analistas de mercado, como se houvesse uma permanente corrida de ratos - rat race - entre as economias emergentes. Páginas e páginas têm sido dedicadas ao suposto colapso do Brasil e à pretensa ressurreição do México como a mais promissora grande economia latino-americana, com argumentos de curto prazo sendo extrapolados, sem nenhum pudor, para o longo prazo. Quem depositou infundadas esperanças no lançamento do Cristo Redentor ao espaço, como a revista The Economist, estava fadado a mudar de opinião algo abruptamente, pois o diagnóstico original já era falho. Os problemas potenciais das políticas econômicas adotadas a partir de meados do governo Lula, e agravados desde a posse de Dilma Rousseff, eram bem visíveis. Muitos analistas internacionais insistiram por muito tempo na tese de que, apesar da aproximação política do lulismo com o chavismo e o neoperonismo, Lula, na prática, estava mais para social- democrata do que para populista de esquerda. A sugestão, agora, de que os problemas enfrentados pelo Brasil poderiam ser resolvidos com a mera substituição de Guido Mantega é ridícula. Nem o ministro imaginaria forma mais eficaz de garantir a sua sobrevida, pois não é necessária muita perspicácia para antecipar resposta indignada da presidente, deixando claro que só é influenciada por revistas nacionais...
A despeito de todas essas dificuldades, a popularidade da presidente se mantém em níveis extremamente altos. Isso deve ser objeto de preocupações quanto ao futuro, em vez de ser simploriamente comemorado. Não há garantia de manutenção de tal popularidade, se os resultados da política econômica não forem sustentáveis. E seria lamentável que fosse necessária significativa queda da popularidade presidencial para que houvesse reorientação da política econômica.
Há substanciais problemas econômicos à frente em 2013. E a cada dia mais improvável que uma conjunção favorável de eventos estenda a vida útil da atual colcha de retalhos que compõe a política econômica. As implicações políticas de um 2013 acidentado do ponto de vista econômico podem ser decisivas em 2014.
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