terça-feira, novembro 20, 2012

Queremos fêmea! - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 20/11


Em meio à pior crise da sua história, a União Europeia estuda cotas para mulheres na direção de empresas


Vamos aos fatos: a zona do euro voltou a mergulhar na recessão. No terceiro trimestre de 2012, o crescimento econômico foi de 0,1%, depois dos 0,2% do trimestre precedente. Explicações?

Sim, os programas de austeridade jogaram Portugal e a Grécia no tapete. Mas a crise está a atingir a Espanha, a Itália e alguns pulmões econômicos do bloco, como a Holanda e a França. Mesmo a Alemanha, o motor do continente, teve um medíocre desempenho de 0,2%.

No próximo ano, a Comissão Europeia prevê um crescimento de 0,1% nos 17 países do euro. Na melhor das hipóteses.

Perante esse cenário desolador, o leitor talvez questione o que tenciona a Europa fazer para evitar a rápida desagregação da zona euro, a pobreza das suas sociedades e até, quem sabe, a erosão dos seus regimes democráticos.

Relaxe. A União Europeia, pela voz da sua comissária para a Justiça, tem a resposta: cotas para mulheres.

Exato. O leitor leu bem. A União Europeia, confrontada com a pior crise da sua história, pretende que os Estados-membros tomem medidas para que 40% dos conselhos de direção de todas as empresas de capital aberto sejam preenchidos por mulheres. Para combater a discriminação.

E, se é certo que não haverá penalizações (por enquanto) para os que não cumprirem a determinação, Bruxelas espera que cada Estado-membro aplique a medida com vigor.

Longe de mim contestar tamanha bondade paternalista. Mas, antes de avançarmos para as cotas, seria importante que a comissária Viviane Reding respondesse a duas perguntas básicas sobre a aberração.

A primeira, óbvia, é mostrar os mecanismos que geram a suposta desigualdade. Onde estão? Quem são? Como se exercem?

Só é possível corrigir uma discriminação quando se identificam os agentes dessa discriminação. Não basta a simples constatação estatística de que as empresas são majoritariamente lideradas por homens.

Se assim fosse, seria preciso instituir "cotas masculinas" nas universidades europeias, onde as mulheres já são a maioria. Será que Bruxelas tenciona corrigir todos os desequilíbrios que existem em cada área social, econômica, política ou cultural?

Em caso afirmativo, será uma tarefa sem fim. E, no limite, implicará a adoção de políticas "chinesas" de controle de natalidade (e de interferência no sexo dos nascituros) de forma a desenhar uma sociedade rigorosamente composta por homens e mulheres em partes iguais.

Mas existe um outro problema: não basta mostrar os mecanismos discriminatórios em ação. Só faz sentido defender "cotas femininas" se a Comissão Europeia também mostrar, de preferência com estudos sérios e não com delírios politicamente corretos, que tipo de qualidade suplementar uma mulher traz a uma empresa pelo simples fato de ser mulher.

É provável que a sra. Viviane Reding já tenha alguns estudos, digamos, hormonais a respeito. Infelizmente, não conheço nenhum: em economias livres, a liderança de empresas deve depender do mérito, qualquer que seja o sexo dos seus diretores. É a competência, e não o sexo, que deve determinar a gestão empresarial.

E isso deveria ser especialmente importante no momento que a Europa atravessa: escolher conselhos de direção por motivos politicamente corretos pode gerar, de forma perversa, resultados economicamente incorretos.

"Last but not least", o ponto decisivo: as "cotas para mulheres" são um insulto às próprias. Não sei se é uma questão de sorte, mas as mulheres inteligentes (e bem-sucedidas) que me rodeiam jamais aceitariam de cabeça limpa a mão paternalista do Estado para subir a uma posição de comando.

As mulheres não são seres inferiores. São mulheres. E, excetuando em sociedades totalitárias, a liberdade de escolha é real. É tão legítimo procurar uma carreira nos negócios como será fazê-lo nas universidades, nas artes ou até no remanso anônimo do lar.

Se a União Europeia está preocupada com a igualdade, talvez devesse perder mais tempo com a crise econômica que a ameaça destruir. Porque as consequências da crise prometem ser igualitárias para homens e mulheres.

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