FOLHA DE SP - 09/11
Descobri que o 'Livro de Mórmon' prega que Jesus andou pelos EUA e que negros não são bacanas. Cuma?
Visitei Salt Lake City, Utah, a trabalho, duas vezes na vida. Na primeira, tentei entrar no maior monumento da cidade, um templo mórmon que se impõe pelo gigantismo e a feiura de suas formas, e fui impedida logo na entrada. "A senhora não pode entrar aqui", disse-me um tipo à porta. "Ué? Por que não? Outros estão entrando, meus trajes são apropriados, o que há de errado?"
"A senhora não é mórmon", respondeu-me o homem da porta com tamanha convicção que eu virei e fui embora.
De fato, não sou mórmon. Não tenho ideia de como ele percebeu, mas, graças a Deus, isso fica evidente com um simples olhar.
Na semana passada, entre um tapa na orelha e um soco no nariz advindos do furacão Sandy, consegui fazer valer as entradas adquiridas desde o Brasil e fui à Broadway assistir a melhor comédia satírica musical de todos os tempos. Refiro-me, claro, a "The Book of Mormon", de Trey Parker e Matt Stone, os criadores do seriado "South Park".
Nunca tinha me atido aos mórmons. De onde vieram, para onde vão e qual a utilidade (se alguma) deles. O musical destrincha o frango para leigos como eu. Mórmons, pelo que entendi, são pessoas que estão convencidas de que existiu um Moisés norte-americano chamado Joseph Smith.
Preste atenção: parece que lá pelos idos de 1820, o tal Joseph Smith andou dizendo que um anjo vindo do céu mandou que ele procurasse no quintal Tábuas da Lei de Deus feitas de ouro maciço. Por algum motivo, Joseph perdeu essas tábuas, uma confusão, ninguém viu, ninguém sabe, é a tal da prova de fé, mas ele jurou de pés juntos que delas constavam ensinamentos que usou para escrever o "Livro de Mórmon", a Bíblia deles. Pois é, ele tinha uma memória incrível para alguém que só vira as tábuas uma noite.
Algumas amenidades incluídas no livro: 1) Jesus perambulou pelos EUA; 2) tribos de hebreus lutaram em solo norte-americano e, veja só, 3) pessoas de pele escura não são boa coisa. Essa última questão parece ter sido revista em 1978 quando Deus teria subitamente mudado de ideia.
Pois eu espero que Andrew Lloyd Webber seja devorado por leões na Mesopotâmia. Verdade. Torço vivamente para que isso aconteça. Quando penso em "West Side Story", "My Fair Lady", "Hair", "All That Jazz" e tantos outros musicais incríveis que já passaram pela Broadway, lembro que um canalha chamado Andrew aniquilou o gênero na base de "Fantasma da Ópera", "Evita" e sua música de péssima qualidade, sempre girando em torno de um mesmo acorde, e suas histórias unidimensionais, achatadas, caretas e sem lustro...
Bem, mas ia dizendo. O Sandy e a lembrança de Andrew e a quantidade estupenda de mórmons no Brasil... Tudo isso é o de menos. O que realmente importa é que os EUA reelegeram Obama, a despeito da pregação da comunidade financeira.
Em Nova York, jantei com uma gerente de fundo de investimentos de Cingapura que torcia por Romney. Ela começou a conversa dizendo: "You see, I don't like politicians". Sei. Eu também, quando estava na escola, não gostava de professor. Mais tarde, passei a não gostar de polícia. Hoje, digamos que não morro de amores por fiscal.
Acontece que uma democracia sólida não se contenta com presidentes que sejam bons homens de negócios. Ela tenta transformar políticos em estadistas.
E é um pouco mais difícil atingir essa meta quando se tem como ponto de partida um neorrepublicano discípulo de Joseph Smith.
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