As promessas de início de ano do governo eram de crescimento do PIB de pelo menos 4,5%, inflação na meta e geração de um superávit primário global de 3,1% do PIB. A esta altura já se sabe que nada disso será cumprido. O crescimento do PIB mal chegará a um terço do que havia sido prometido, a inflação deve permanecer bem acima da meta e o governo já reconheceu que o superávit primário pretendido se tornou inatingível por larga margem. Nesse quadro, o que mais preocupa é o discurso desconjuntado com que o governo tem tentado racionalizar as dificuldades que vem enfrentando para entregar o desempenho macroeconômico que prometeu.
Boa parte das críticas nessa linha tem sido direcionada ao Banco Central (BC). Mesmo analistas mais complacentes não têm deixado de apontar as sérias falhas de comunicação que têm marcado o esforço do BC de tornar compreensível a condução da política monetária. Grande celeuma vem sendo suscitada pela insistência do BC na previsão de que a inflação, em algum momento, deverá convergir para a meta “de forma não linear”. Como não se sabe bem o que isso pode significar, já há quem avente que o que está sugerido é que a convergência deverá ser tão surpreendente que nem mesmo o BC vem conseguindo antecipar como de fato será.
Mas tudo é relativo. E a verdade é que a pior parte do discurso econômico do governo não é a que diz respeito à política monetária e, sim, à política fiscal. Como é desse lado da política macroeconômica que o governo se tem mostrado mais propenso a transgredir regras e práticas estabelecidas, lhe tem sido muito difícil manter um discurso minimamente respeitável sobre a condução da política fiscal.
O ministro da Fazenda acaba de admitir oficialmente que o governo não terá mais como atingir a meta de superávit primário. É importante notar que o abandono da meta não adveio de mudança deliberada e preanunciada na condução da política fiscal. O que houve foi simples explicitação de um quadro de descontrole. Como a arrecadação federal teve crescimento real de mais de 10% em 2011, a Fazenda atravessou boa parte de 2012 apostando na sobrevida dessa fartura fiscal. Deixou que as despesas primárias corressem soltas, com expansão real da ordem de 6% nos 12 meses terminados em setembro, ritmo quatro vezes mais rápido do que o do crescimento do PIB. E ainda achou que lhe sobrava cacife para promover programas pontuais de desoneração, sem abrir mão do cumprimento da meta fiscal.
Agora, a menos de dois meses do fim do ano, a Fazenda afinal constatou quão inconsequente foi sua aposta na fartura fiscal. Na esteira do pífio desempenho da economia, o crescimento real da arrecadação caiu de 10% ao ano para pouco mais de 1%. E o governo teve de admitir que já não tem mais como cumprir a meta fiscal. Para tentar salvar a face, a Fazenda improvisou às pressas o argumento de que o abandono da meta apenas denotava uma opção pelo investimento e pelo crescimento. E anunciou que, agora, vai buscar o cumprimento da meta ajustada de superávit primário, que exclui o valor dos investimentos do PAC.
A ideia da meta ajustada já não fazia sentido quando a condução da política fiscal era pautada pela necessidade de manter sob controle o endividamento do setor público. No quadro atual, em que o que deveria estar pautando a política fiscal de curto prazo é o seu impacto sobre a demanda agregada, a adoção da meta ajustada faz menos sentido ainda. E o pior é que é bem possível que nem mesmo a meta ajustada o governo consiga cumprir.
Pelos canais usuais, portanto, a política fiscal em curso está trazendo substancial impulso adicional à demanda agregada. E é bom ter em mente que boa parte do efeito expansionista da política fiscal vem envolvendo canais menos usuais, como é o caso das vultosas transferências diretas de recursos do Tesouro às instituições financeiras federais. O que ainda não se sabe é se todos esses impulsos fiscais estão sendo levados devidamente em conta na condução política monetária.
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