Seria ingênuo, disse Gilmar Mendes, achar que só bandos armados constituam quadrilha
FOI POR pouco, mas os principais personagens do julgamento terminaram condenados pelo crime de formação de quadrilha.
Marcos Valério, José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e outros membros dos "núcleos" político, financeiro e publicitário do mensalão contaram com os votos dos primeiros ministros na sessão de segunda-feira do Supremo.
Acompanhada por Cármen Lúcia e Dias Toffoli, Rosa Weber desenvolveu a tese de que não se tratava de "quadrilha" o consórcio formado para a compra de votos no Congresso.
O Código Penal, disse ela, pretende punir as ameaças à paz pública e fala em associação de quatro ou mais pessoas para a prática de "crimes", no plural. Ou seja, algo de indeterminado, que se prolonga no tempo.
Outra coisa, frisou Rosa Weber, é a coautoria, ou seja, a participação de várias pessoas num delito determinado. Seria esse o caso dos acusados no mensalão: o que se pretendia era obter apoio político em votações no Congresso e não formar um grupo criminoso pronto para o que desse e viesse.
No crime de quadrilha, a mera associação de criminosos equivale a uma "declaração de guerra à ordem estatal", prosseguiu a ministra. Exemplo, o bando de Lampião: a mera chegada dos cangaceiros numa cidade já representava ameaça à paz pública.
Podemos pensar também na Máfia, no PCC. São organizações que continuam existindo mesmo quando mudam os seus membros.
Certamente, os engravatados réus do mensalão desconheciam o hábito de usar tatuagens, bonés com a pala invertida, moletons com capuz ou camisetas de torcida organizada (Gaviões do Fidel? Mancha Liberal?). Parece ser mais ou menos nisso que alguns ministros estavam pensando.
Joaquim Barbosa pediu a palavra, para apontar de modo calmo o que transparecia nessas considerações: uma discriminação de classe. Ou uma "exclusão sociológica", como ele preferiu dizer.
Ou ainda uma "conotação criminológica estereotipada", acrescentou Gilmar Mendes -que condenou os acusados num voto bastante longo. Seria ingênuo e "naturalístico", disse ele, achar que só baderneiros profissionais ou bandos armados constituam quadrilha. A posse de armas, aliás, é agravante previsto na lei, mas não é condição indispensável para condenar.
Luiz Fux foi mais rápido no seu voto e apresentou um argumento difícil de responder. Como falar apenas em "coautoria", em associação "eventual", se o grupo atuou por mais de dois anos? Se isso não é uma associação estável para a prática de crimes, o que mais é?
Certamente, ninguém se registra com carteirinha quando entra para uma quadrilha. O que se quer, perguntou o ministro Marco Aurélio Mello: escritura pública?
Em mais de 40 anos de trabalho no direito, arrematou Celso de Mello: "Nunca vi caso tão claramente configurado de formação de quadrilha". Foi a pá de cal.
Para a maioria condenatória, de seis a quatro, faltava o voto do presidente Ayres Britto. Relendo os autos, "na ponta do lápis", conta R$ 153 milhões desviados pela quadrilha. Termo que ele analisou longamente, mas que não teve dúvida em aplicar no caso.
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